quarta-feira, 29 de julho de 2009

Prólogo: Parte III

Ficaríamos por um tempo indeterminado na aldeia, até termos ordens de Wulfgaard, para atacar ou mudar-nos para outro lugar. Assim tive tempo para cuidar de Ailith – depois ela me disse seu nome. - e confesso que no momento em que ela saltou com toda sua ferocidade sobre mim, eu soube que teria que domar aquela mulher para ela ser minha.
Na manhã após o ocorrido na igreja, fui acordado por Eirik – um dos melhores de nós.
- Acorde seu beberrão fedido! - Chutando meus pés. – Wulfgaard quer lhe falar na tenda que levantamos lá fora.
- O que ele quer a essa hora? – Perguntei coçando minha cabeça.
Não sei ao certo. Mas pode ir que eu fico de olho na mulher. – Eirik disse isso em um tom zombeteiro. – Belos seios ela tem.
Fui sem ela porque confiava em Eirik como confiava em poucos ali. Podíamos ser setenta homens comandados por Wulfgaard, mas os de confiança eram apenas doze. Wulfgaard, Eirik, Gudrik, Halfdan, Eclaf, Skeggi, Leif, Njal, Sigurd, Waltheof, Bersi e eu.
Ailith dormia um sono profundo quando deixei a casa e me dirigi para a tenda. O dia estava frio e com uma chuva fina que fazia com que tudo ficasse meio cinza. Algumas redes de pesca ainda estavam perto das casas, pois a aldeia ficava em um terreno alto perto de um rio largo. O rio possuía um pequeno vau na descida do terreno, e alguns homens cortavam grandes árvores na floresta do outro lado do rio. Não entendi porque homens trabalhavam na chuva e no frio, mas saberia logo que chegasse na tenda.
A tenda estava armada ao lado da velha igreja. Alguns homens estavam à volta dela observando o que acontecia. Wulfgaard estava sentado na ponta de uma grande mesa de carvalho, a mesma que estava na igreja.
- Johan! – Wulfgaard fez um sinal com as mãos indicando que eu fosse até ele – Já era hora. Não se cansou de comer aquela mulher? – E soltou uma gargalhada.
Acenei com a cabeça e vi que de um lado da mesa estavam Halfdan, Skeggi, Waltheof e um lugar vago. Na outra ponta estava sentado um homem com a aparência de ter mais idade do que qualquer um dali. Possuía uma barba grande e ruiva, e um semblante que dizia estar ali, naquele dia frio e chuvoso, contra sua vontade. Sentados à mesa de frente para Halfdan, Skeggi e Waltheof, estavam quatro homens também com semblante de insatisfação por estarem na tenda naquela manhã gelada.
- Sente-se Johan. – Disse-me Wulfgaard. – Estes são Gunnar, Finn, Karl e Thordwald. – Wulfgaard apontou para os quatro homens que estavam sentados lado a lado. – E os dois ali são Ulfrik e seu filho, Koll.
O tal Koll estava de pé ao lado de Ulfrik. Era bem alto, era ruivo assim como o pai e possuía uma trança no cabelo e na barba. Tinha uma bela cota de malha bem polida, botas com placas de ferro e um machado que apoiava no chão.
Se eu imaginasse o problema que Koll traria para mim, teria eu mesmo o matado naquela manhã como um porco.
Urd, Verdandi e Skuld – as três irmãs que tecem o destino dos deuses e homens. – teciam o meu destino, os deuses apenas me observavam, e eu, não imaginava como seria meu futuro.


Ulfrik era um poderoso jarl que assim como muitos procurava terras e escravos. Os quatro homens eram karls subordinados a ele. As terras de Ulfrik ficavam ao norte da aldeia em que nós estávamos, e trouxe notícias de como as coisas estavam indo com os saxões submetidos a ele.
Trouxe também a notícia de que todos os que estavam fixados em aldeias estavam construindo paliçadas para que se fixassem nesses locais. Por isso os homens cortavam as árvores na floresta do outro lado do rio.
A chuva tinha parado, mas o frio continuava e a conversa também A maioria das coisas que eram ditas não tinham tanta importância. Porém eu estava enganado. A conversa se estendeu por toda manhã, o sol já estava no meio do céu e minha barriga implorando por comida. Foi quando pela primeira vez naquele dia Koll abriu a boca para falar ao invés de bocejar.
- Há duas noites, uma vagabunda saxã fugiu de nossas terras. – Koll tinha uma voz ameaçadora e cheia de ódio. – Por direito ela pertence a mim, e fiquei sabendo que ela se dirigiu para cá.
- E o que você quer que façamos? – perguntou Halfdan com sarcasmo. – Há algumas mulheres saxãs aqui, mas todas já foram estupradas. Acho que nenhuma conseguiu escapar.
- Exijo ver todas as mulheres que estão aqui. Caso encontre a prostituta saxã, levarei-a comigo.
- Bom... Se você não sabe domar uma mulher, isso não é nossa culpa. – Interveio novamente Halfdan.
- Algum homem aqui é contra que essa mulher seja procurada? – Wulfgaard falou se levantando da cadeira onde estava, mas ninguém foi contra. – Se ninguém discorda vocês podem procurá-la.
Com a ordem de Wulfgaard, Koll foi de casa em casa com os quatro subordinados de seu pai. As casas foram revistadas sob o olhar de seus ocupantes, as mulheres inspecionadas de perto, e mesmo assim Koll não achou a mulher saxã que ele dizia ser dono. Os cinco homens voltaram para a tenda e se sentaram novamente. Dava para perceber que Koll não estava satisfeito em não encontrar a mulher. Foi quando Eirik apareceu.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Prólogo: Parte II

Depois da vitória que tivemos contra os saxões, avistamos uma aldeia não muito pequena. Decidimos saqueá-la e passar a noite ali mesmo. Encontramos cereais, grãos e abatemos uma vaca e um cordeiro. Foi um verdadeiro banquete para homens que estavam famintos e cansados da batalha. Éramos setenta homens acampados em uma aldeia naquela noite.
A aldeia possuía alguns casebres com o teto de junco e uma igreja de pedra com uma porta de madeira que estava entreaberta. Gritos de uma mulher vinham de um casebre que era iluminado pelo fogo do centro da casa. Dois homens estupravam a mulher saxã que me olhou pela janela e gritou algo que eu imaginava ser algum pedido de ajuda, mas nada podia fazer, ela era espólio deles por direito.
Já fiz a mesma coisa que eles algumas vezes, na maioria estava bêbado, mas prefiro pagar para obter o prazer de uma mulher do que tê-lo a força.
Alguns dos homens estavam sentados em volta de uma grande fogueira no centro da vila. Bebiam cerveja e comiam carne. Naquele grupo estavam os melhores guerreiros de Wulfgaard, e fui chamado para me sentar com eles.
- Ei Johan! Meu cão pulguento! – Gritou Halfdan. – Venha comer e beber com homens de verdade! – E soltou uma gargalhada.
Halfdan era mais alto que eu. Tinha cabelos loiros, uma barba grande e cheia, e uma cicatriz que pegava do olho esquerdo até o maxilar. Era um bom guerreiro e bom homem.
- Aproveite e conte uma história. – Completou Gudrik. – Ou cante uma música.
Gudrik era o mais novo dos guerreiros. Era esguio, bem magro. Parecia que não duraria muito em uma luta feroz, mas tinha uma força e resistência dignas de um gigante. Diferente de todos, seu cabelo era curto, não tinha barba, mas tinha um dragão desenhado na pele em suas costas.
Todos estavam felizes pela vitória do dia, e me juntei a eles. Comemos e bebemos a noite toda. Cantei canções de batalhas e vitórias dos nossos ancestrais, e todos cantaram juntos até ouvirmos um barulho de coisas quebrando, mas era apenas uma briga entre dois homens bêbados que já estavam rindo e se abraçando. Quando nossa cerveja acabou eu não estava bêbado, mas fiquei um pouco zonzo, queria vomitar, então fui caminhar um pouco antes de arrumar um lugar para dormir.
A aldeia já tinha sido saqueada por nós, e os poucos homens que não fugiram antes, foram mortos e as mulheres, depois de estupradas, seriam vendidas como escravas. Na igreja os homens encontraram enterradas sob o altar algumas peças de prata e só, o maior tesouro estava dentro de uma cova ao lado da igreja, era uma cruz do tamanho de um braço de homem feita em ouro puro.
Eu continuava a caminhar pela vila abarrotada de soldados por todos os lados. Passei por perto de um cão que se alimentava dos restos de um guerreiro saxão, e novamente me deparei com a velha igreja com a porta entreaberta. Como eu ainda não tinha entrado lá, me dirigi até a porta e dei uma olhada. Tudo muito escuro, mas pelo buraco que havia no teto, a luz da lua conseguia iluminar com dificuldade o interior da igreja. Passei pelas portas e avistei o altar destruído. Caminhei até ele quando ouvi um som vindo das sombras e senti algo me golpeando pelo lado direito. A lâmina não perfurou minha cota de malha, então me virei e segurei o agressor e senti que era muito magro. Empurrei-o para longe de mim para que pudesse desembainhar Sangue Fresco – que é o nome de minha espada - e matar o desgraçado que caiu sobre alguns pedaços de madeira que a lua iluminava. Foi quando eu vi uma criatura assustada, agachada no chão com os cabelos negros escondendo-lhe parte do rosto, corpo magro e muito branco como a neve. Os olhos azuis e assustados olhavam diretamente nos meus; possuía uma roupa suja e rasgada onde pude observar seus pequenos seios com algumas mechas de cabelo por cima. Na mão que tremia sem parar, estava uma faca sem gume, a que ela tentara me esfaquear. Devia estar morrendo de medo por não ter conseguido me matar e agora estar de frente com um guerreiro Dinamarquês empunhando a espada.
Não foi como eu pensei. De medo ela não tinha nada, deveria estar com frio, porque como uma cobra, se lançou contra mim e eu segurei-a pelo pulso onde segurava a faca. Ela me socou com a mão livre, que eu também segurei e o seu corpo ficou junto ao meu. Ela parecia um animal. Gritava, fedia e tentava me morder. Então, para acabar com isso, bati com o punho de minha espada em sua testa e ela desmaiou. Peguei-a no colo e saí da igreja, e alguns homens viram e perguntaram.
- Quem é a mulher “Skald”?
- Meu espólio. – Respondi sério. Nem todos os homens são meus amigos.
Assim não criaram caso e pude levá-la para a casa maior da vila onde Wulfgaard estava, e ali, tratei da mulher saxã.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Prólogo: Parte I

Os campos verdejantes estavam em silêncio. Só se ouvia o som dos pássaros e do vento movendo as folhas. O céu num tom azul claro possuía algumas nuvens que escondiam os raios de sol. Em pouco tempo o silêncio que reinava foi quebrado pelo som de gritos, escudos se partindo, flechas zunindo e homens caindo.
Em meio ao tumulto da batalha uma figura se destacava. Um homem alto de corpo largo, cabelos compridos e pretos como o pêlo de um urso, a barba também negra não era muito grande, gritava com selvageria enquanto lutava como um animal. Possuía uma cota de malha, nas mãos carregava um machado de lâmina dupla com o qual despedaçava os inimigos e um escudo pintado de preto. Presa nas costas estava sua espada que já havia provado o sangue de muitos homens.
Era ele! Wulfgaard "Bjorn" Olafson, filho de Olaf, um dos grandes guerreiros da Dinamarca. Logo após Wulfgaard deixar seu machado enterrado no crânio de um inimigo, desembainhou sua espada e gritou bem alto.
- Venham sentir o gosto de Morte Fria seus saxões filhos de uma prostituta velha! – Morte fria era o nome de sua espada.
Homem algum no campo de batalha se igualava a ele. Os inimigos o temiam como se fosse um demônio, e talvez realmente fosse.
Os homens comandados por Wulfgaard pareciam invencíveis. Empurravam a parede de escudos saxã ao som de gritos, urros e xingamentos. Um deles recebeu um golpe de lança na coxa esquerda, e no furor da batalha puxou a lança do agressor, que veio junto com ela, e morreu com uma lâmina na barriga.
Wulfgaard com Morte Fria em uma das mãos e seu escudo na outra, ficava na primeira fila de sua parede de escudos, incentivava seus homens e retalhava quem viesse pela frente. E eu, estava ao lado dele. Um machado passou voando sobre a minha cabeça, empurrei meu escudo pra frente e senti uma ponta tentando me acertar nas pernas, aparei a ponta com a minha espada e estoquei na virilha do agressor. Só senti o sangue quente escorrendo pelas minhas mãos e um corpo desabando sobre meu escudo. Ele gritava enquanto eu pisava na sua cabeça e cravei fundo minha espada em sua garganta.
Não eram dois grandes exércitos se enfrentando. Era um punhado de homens para os dois lados, mas a luta estava bastante feroz. Nós empurrávamos de um lado e os saxões do outro. Nossos arqueiros atiravam flechas sem parar na linha saxã, mas parecia não surtir muito efeito. Os saxões também atiravam flechas em nós, talvez com um pouco mais de sorte, porque o homem que estava atrás de mim caiu pra frente me empurrando depois de ter recebido uma flechada no pescoço. O sangue dele jorrou em mim me deixando ainda mais aterrorizante para os saxões. Não éramos demônios, mas nesse momento, da guerra, deveríamos ser, ou ao menos nos parecer bastante com eles.
Havia um saxão montado em um cavalo bem atrás da fileira de escudos. Ele gritava palavras de incentivo para seus homens, cuspia em nossa direção e demonstrava não ter medo de nós. Pobre coitado. Todos nós sabíamos que aqueles saxões de bosta estavam se borrando de medo. Podiam gritar, xingar e cuspir, mas eles sabiam que quando um barco Viking atracava na praia era a hora certa de rezar para o deus deles implorando pela vida.
A parede saxã não iria agüentar por muito tempo. A cada passo, passávamos por cima dos mortos e feridos da parede inimiga. Cantamos e invocamos o nome de Odin e Thor enquanto cortávamos, quebrávamos, dilacerávamos cada saxão que pudéssemos. A parede saxã cada vez mais ia chegando para trás em direção ao homem no cavalo. O suor escorria na minha testa fazendo meus olhos arderem, mas ali não era lugar pra secar os olhos, Era lugar de morte, e não da minha. Olhei para o lado esquerdo e Wulfgaard estava coberto de sangue, mas não havia ferida em seu corpo, era apenas sangue dos saxões. Ele estava com Morte Fria presa na barriga de um saxão e puxava para tentar soltá-la. O guerreiro inimigo já devia estar morto, mas o sangue não parava de sair de sua boca, até que Wulfgaard o empurrou com o escudo e puxou a espada de volta e as tripas do homem caíram feito água na grama meio verde, meio vermelha.
O lugar da batalha fedia a sangue, mijo, bosta, vômito, suor e cerveja. Não era todo homem que encarava sem medo uma parede de escudos. Na verdade acho que todos tinham medo, mas alguns sabiam disfarçar e outros não. Era comum ver alguém vomitando ou se borrando. A imagem da batalha não é bonita para quem participa dela, só para aqueles que nunca participaram de uma, mas acham que sabem como é estar lá. Mas cada vez que eu estava no meio de uma batalha, era como se todos os meus pensamentos sumissem e no lugar deles havia apenas aquele cheiro, aquele som, aquela necessidade. Matar.
Depois de uma luta feroz a parede saxã foi quebrada. Os saxões da frente tentavam lutar pelas suas vidas, e os de trás corriam, mas foi em vão. Foi um verdadeiro massacre. Os que corriam recebiam todo tipo de lanças, machados e golpes nas costas, enquanto os da frente caíam como bois no dia de abate. O saxão que estava montado no cavalo e gritava para seus homens, estava caído no chão com uma flecha enterrada no peito. Ele ainda estava vivo, cuspia sangue enquanto do seu peito saía ainda mais. Nos aproximamos dele e com esforço o desgraçado cuspiu em mim.
- Você seu saxãozinho de merda, vai morrer da pior forma possível. – Wulfgaard tinha se abaixado e estava falando bem próximo ao rosto do homem. – Amarrem-no!
Pegamos o homem, esticamos seus membros e o amarramos. Ele já estava fraco devido à flechada, mas ainda tentava lutar e continuava nos xingando. Wulfgaard pegou Morte Fria e fez um corte longo na espinha do saxão. Ele gritou feito uma prostituta. Abrimos suas costelas pelos lados e puxamos seus pulmões para fora. Parecia uma águia de asas abertas.
- Odin! – Wulfgaard hurrava o nome de Odin para que ele aceitasse o sacrifício. – Odin!
Nesse dia a vitória foi nossa, e depois ficamos sabendo que o rei Edmundo da Ânglia Oriental havia morrido em uma igreja. Com muito esforço, suor, sangue e mortes nós tínhamos conquistado o lugar. Um pequeno pedaço de terra na verdade, mas tínhamos que ter um lugar aonde pudéssemos nos preparar para um objetivo maior. Wessex. Se Wessex caísse, a Britânia cairia, e nós teríamos uma nova terra para nosso povo.
Wulfgaard é meu amigo. Já lutei inúmeras batalhas ao seu lado e seguirei quantas mais forem preciso. Não o seguimos pelo ouro ou prata, mas porque com ele sentimos confiança e respeito. O que conseguimos com os saques é dividido igualmente. Meu nome é Johan Skald Ulfasson. Sou o que os Britânicos chamam de Bardo ou Poeta. Pagam-me para contar grandes feitos de homens que nada fizeram; grandes batalhas que nunca passaram de uma briga de taverna e grandes heróis que nunca existiram.
Hoje irei contar para todos que grandes feitos foram realizados por um homem, que grandes batalhas aconteceram e que um grande herói existiu. Meu amigo “Bjorn”.