quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Capítulo I: Um Novo Começo - Parte IV

Chegamos à grande casa onde Asgeir, o Manco e seu filho Ingvar estavam. Quando entramos, os dois estavam sentados à mesa e fomos convidados a sentarmos com eles. Mais alguns homens estavam lá também. Foi servido pão, queijo e hidromel, e eu não via a hora de sair dali.

- Então Johan! – gritou o velho Asgeir. – Mostrou sua espada para muitas mulheres na taverna ontem?

- Infelizmente não encontrei sua mulher ontem para que tal coisa fosse feita. – Falei com a boca cheia de queijo.

- É porque ontem ela estava sentindo uma espada de verdade rasgando seu rabo. – Soltou uma gargalhada enquanto fazia um gesto com os braços e corpo, indicando que tinha fornicado com sua mulher.

Os homens da sala caíram em risos enquanto o padre Baldwyn baixava a cabeça e pedia perdão a Deus por estar no meio de uma conversa tão rude.

- Meu filho lhe disse ontem que vai seguir com vocês. – Asgeir estava com a barba suja de hidromel e pão. – Os três cavalos já estão prontos para serem selados no estábulo. Quando terminarem aqui já poderão partir.

- Não irei levar o garoto comigo. – Protestei. – Vim aqui apenas para levar o padre, e não para tomar conta de um garoto que pensa ser guerreiro.

- Como ousa falar assim do meu filho? – Asgeir se levantou e socou a mesa. – Retire o que disse ou vai morrer como um cão implorando pela vida!

- E quem vai me matar? – Levantei e puxei Sangue Fresco da bainha. – Esses homens? Seu filho? Sua mulher? Você?

- Tenham calma senhores. Ninguém vai matar ninguém aqui. – O padre Baldwyn era o único homem calmo naquele momento. – Senhor Asgeir, eu me responsabilizo por levar seu filho até a aldeia de Withburga.

- Pode levar, mas antes, eu vou matar esse filho de uma prostituta velha!

- Mas senhor Asgeir, se ele morrer, não teremos como chegar à aldeia. E assim o senhor também irá entrar em guerra com o senhor Wulfgaard. – Padre Baldwyn era o único que tentava resolver as coisas de forma pacífica.

- Se Wulfgaard entrar em guerra comigo, não valerá nada igual a este cão sarnento. – O velho Asgeir já estava empunhando sua espada. – Daqui ele só sai morto ou com um milagre.

Asgeir, Ingvar e os homens que estavam ali empunhavam suas espadas. O padre Baldwyn tentava amenizar as coisas, mas parecia não adiantar. Eu estava em grande desvantagem. No máximo conseguiria matar dois ou três antes de morrer. Eu só queria ver Ailith mais uma vez, mas para sair dali, apenas morto ou com um milagre. E a hora do meu milagre havia chegado.

- Papai! Deixe o homem ir. Ele precisa guiar o padre Baldwyn e Ingvar até a aldeia.

Eu fiquei estagnado. Quem era aquela? Era uma menina linda. Tinha o rosto redondo, corpo com curvas e carne, e longos cabelos loiros que faziam cachos. Um par de olhos verdes que faziam qualquer homem ficar embasbacado. Era mais nova que seu irmão, não passava de 13 anos, mas possuía uma personalidade forte.

- Não se meta aqui Frida. Isso é conversa para homem. E você, minha filha, é apenas uma garotinha.

- Não sou mais uma garotinha – A menina fitava cada homem no salão com seus grandes olhos verdes. Seu vestido possuía fios de ouro. Um cordão de prata pendia em seu pescoço, e ao fim do cordão, uma cruz de ouro. – e meu irmão é muito chato mesmo. Nunca participou de batalha alguma e pensa que é guerreiro. – Ela sorria. – Se forem apenas os dois, ele e padre Baldwyn, estarão desprotegidos.

- Seu irmão descende de uma nobre linhagem de guerreiros. Mesmo não tendo participado de batalhas, o sangue de vários guerreiros corre em suas veias.

- Sangue esse que estará derramado antes do sol se pôr caso eles forem sozinhos. – Disse uma voz vinda do lado de fora do salão.

Os homens olharam assustados para a porta buscando a voz que vinha através dela. Era uma voz medonha, parecia um grunhido, como um ogro. Padre Baldwyn estava sério e parecia se sentir desconfortável com aquela voz. Era como se estivesse ouvindo a voz do demônio. Frida sorria, dando a entender que conhecia a voz. Asgeir e Ingvar não ficaram surpresos, mas não gostaram da afronta. Eu faria o que fosse preciso para me manter vivo e voltar para casa. Enfrentaria qualquer homem, ogro ou demônio que entrasse por aquela porta. Porém, as três Norns fiavam algo diferente do que eu pensei.

- O que veio fazer aqui Naddod? – Asgeir estava mais irritado que antes.

- Soube que estava acontecendo uma pequena reunião aqui, então vim dar uma olhada. – O homem que entrou por aquela porta só poderia ser um ogro. Era tão alto que precisou se abaixar para entrar. – Além disso, também vim ver minha noiva.

Nesse momento, Frida abriu mais ainda o sorriso.

- Se você não estava aqui antes, é porque não foi convidado a estar aqui, seu idiota. – Falou Ingvar.

- Respeito muito o seu pai, mas se falar comigo assim de novo cagalhão, enfio minha espada na sua barriga e a tiro pelo se rabo. E enquanto você estiver no chão, sangrando, vai ver meus cães comendo suas tripas. – Retrucou Naddod exibindo um sorriso malévolo enquanto eu soltava um pequeno riso com suas palavras.

Ingvar até cutucou o pai, mas ele nada fez.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Agradecimento

Bom galera, venho agradecer a todos que estão acompanhando a história no blog. Por causa das provas na facul e não postei semana passada, mas pra compensar, postei hoje a terceira parte. 4ª vai ter a postagem normal.
Quero agradecer especialmente a Stefanie que desde o começo está me perturbando pra postar todos os dias (coisa que não vou fazer), ao Diogo que sempre comenta por aqui, ao Eduardo Spohr que me deu muita força e incentivo com o conto, ao pessoal do www.onerdescritor.com.br que também estão postando meu conto por lá, e ao Mário Fernandes que fez uma boa crítica que eu li e gostei bastante. Erros futuros virão, mas sempre estarei corrigindo quando me avisarem ou eu mesmo percebê-los. Um abraço também pra galera da Comunidade do Cornwell Brasil no orkut.
Styrke og ære. Farvel.

Capítulo I: Um Novo Começo. Parte III

A cidade já estava sendo iluminada com tochas e as fogueiras nos muros também estavam sendo acesas. Desci pela rua e encontrei a taverna. Não foi difícil. Um homem jazia caído no próprio vômito à porta. Precisei passar por cima dele para entrar. Ele apenas soltou um gemido quando pisei em suas costas.

Lá dentro havia bastante gente. Poucos saxões e muitos dinamarqueses. Me sentei em um canto e em pouco tempo uma ruiva, de ancas largas e seios fartos, me deu uma caneca com cerveja e um pedaço de pão. Comi e bebi enquanto ouvia uma canção de um Skald que animava a noite. Soltei um forte riso quando alguns homens derramaram cerveja em uma prostituta e começaram a lamber seu corpo nu, enquanto ela se torcia de cócegas e ria.

Passei algumas horas naquele lugar, mas saí antes que ficasse completamente bêbado. Tinha que levar o tal padre em segurança até a aldeia. Subi a rua indo para a casa onde passaria a noite quando, meu caminho foi bloqueado por três homens.

- Então você é o famoso homem que arrancou os dentes do Havard aqui. – Olhei e vi que o homem que eu havia socado estava ao seu lado.

- E arranco os que ainda sobraram, e o de vocês dois se não me deixarem passar. – respondi já segurando o punho de Sangue Fresco.

- Antes que retirasse a sua espada da bainha, já estaria morto no chão como um porco velho. – O homem que falava era novo, bem mais que eu. Na verdade era um garoto ainda, e falava bem calmamente. – Olhe para trás seu cão sarnento.

Olhei e vi que haviam dois arqueiros prontos para disparar ao sinal daquele garoto com cara de bobo.

- Meu nome é Ingvar Asgeisson. Sou filho de Asgeir, o Manco. – Ingvar deu dois passos na minha direção. – Não vim aqui matar ninguém, irmão. Pelo contrário. – Assim como o pai, era espontâneo e me deu um típico tapa no ombro. – Soube que estava na taverna e vim para bebermos juntos.

- Agradeço, mas amanhã partirei cedo com o padre.

- Isso não é problema – Ingvar sorriu. – pois amanhã partirei com vocês.

- Quem disse isso? – Perguntei já irritado. – Para mim, tomar conta de um padre velho já é o suficiente. Não levarei um garoto comigo.

- Então amanhã fale com meu pai sobre sua recusa. – Ingvar passou por mim e com ele os dois homens. – Os cavalos estarão selados ao amanhecer. – E dito isso, se foi.

Continuei meu caminho até a casa em que ficaria. O cômodo era apertado e deveria haver umas dez pessoas ali. Deitei-me no chão de junco e fiquei pensando em um bom motivo para levar Ingvar comigo. Pensava também em Ailith. Como queria estar com ela naquela noite, e em todas as outras também. Não sabia o que as Norns teriam para nosso futuro, por isso, queria passar cada noite com ela. Realmente eu não imaginava o que estava por vir.


- Senhor. – Senti algo tocando meu braço e desembainhei Sangue Fresco. – Calma senhor. Apenas o acordei por que um padre o chama lá fora. – Era um dos homens que habitava na casa e pelo jeito era aldeão.

- Dá próxima vez que me acordar assim, vai perder o braço.

O homem se afastou e saiu da casa. Uma mulher me trouxe uma vasilha com água para lavar o rosto, tirar o gosto ruim da boca e limpar o nariz. Depois que terminei, ela levou para outro homem. Mal saí da casa e só deu tempo de perceber que o céu estava em um azul sereno, sem nuvens e o sol brilhando com força, quando uma figura roliça e mais baixa que eu veio ao meu encontro ainda na porta da casa.

- Bom dia senhor Johan! – O homem era bem alegre e espontâneo. Não sei o motivo de tanta alegria assim. – É bom conhecer o homem que me levará em segurança até a aldeia de Withburga.

- Em primeiro lugar padre, eu não sou senhor de bosta alguma. E em segundo, eu levarei você, mas não garanto segurança. Até porque, se alguém quiser matar um padre, não vou me meter.

- Ah meu filho. Então apenas me leve até lá, pois minha segurança está em Jesus Cristo. – O padre abriu os braços e olhou para o céu.

- Espera segurança do deus que morreu preso na cruz? – Gargalhei diante disso.

- Se está rindo tanto, por que carrega uma cruz em seu peito? – o padre estava com um risinho no rosto.

- Acho que você deve fazer menos perguntas se quiser continuar vivo, padre.

- Acha que a morte me intimida, guerreiro? – O homem de meia idade agora possuía uma expressão séria enquanto falava. – Eu sei que quando morrer estarei face a face com o meu Deus. E você? Tem certeza de que irá falar com seus deuses?

- Não tenho certeza de nada padre. Meu futuro é tecido pelas Norns, não por mim.

- Interessante a crença de vocês pagãos. – o padre tinha voltado a ser alegre agora. – Pode me dizer guerreiro. Essa cruz foi dada por sua mulher. Certo? – Ele estava com um risinho no rosto.

- Sim padre, foi dada por minha mulher. Agora podemos ir? Estou com fome.
- Podemos filho. E pode me chamar de padre Baldwyn, ou apenas Baldwyn se preferir.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Capítulo I: Um Novo Começo - Pt. II

Eu já estava cavalgando há um bom tempo pelos campos verdes daquele lugar. As flores brotavam, pássaros cantavam e animais silvestres eram vistos com facilidade. Eu vinha segurando e olhando para a cruz de madeira que Ailith me dera. Queria saber que tipo de poder teria aquele amuleto. Pelo que ela havia me dito, o deus cristão havia mandado seu filho à terra para que todos nós tivéssemos a chance de sermos salvos do fogo do inferno. O filho desse deus teria sido morto em uma cruz e voltado a viver no terceiro dia. Eu nunca entendi como o filho de um deus poderia ser morto assim, de forma tão simples. Como ele não ordenou que seus agressores fossem tragados pela terra? Se existe esse tal céu e inferno eu não sei, mas certamente esse homem não foi para o Valhalla. Para lá só vão os melhores guerreiros que são mortos com a espada em mãos. Mortes dolorosas e sofridas nos levam direto para o grande salão de Odin, ou para o salão da deusa Freya, que é a líder das Valkírias. Elas que levam os guerreiros desse para o outro mundo. No Valhalla, todos os dias os guerreiros lutam até fazerem-se em pedaços. Chegando a hora da refeição, os ferimentos são curados enquanto se divertem comendo a carne do javali Schrinnir e bebendo hidromel fornecido pela cabra Heidrum. Estes guerreiros mortos são conhecidos como Einherjar, são os escolhidos para lutar no Ragnarok, a batalha final entre os deuses e os gigantes. Coitado daquele que morre doente, velho ou de fome. Esses vão para o Niflheim, o reino dos mortos, quer era regido pela deusa Hel, filha do deus Loki. Lá também havia a serpente comedora de cadáveres, a Nidhogg. Esse com certeza não é um bom lugar para ir.

Coberto de pensamentos e ficando com fome, lá estava eu, naquela estrada de terra cortando a grama verde. Disseram-me que era só seguir a estrada que eu chegaria a Thundersley. Eu estava com minha cota de malha, luvas de couro, botas altas e uma capa marrom que cobria minhas costas e meu rosto. Do lado esquerdo da cela de Swarta estava meu escudo e ao lado direito, um machado de lâmina curva. Sangue Fresco pendia em minhas costas sendo escondida pela capa marrom.

O sol já havia passado do ponto mais alto do céu e beirava o horizonte quando avistei os muros de Thundersley. O muro, de pedra e madeira, parecia ser bem vigiado pelas sentinelas que montavam guarda. Me aproximei do portão e um verme qualquer já veio apontando aquela lança de merda para mim.

- Aonde pensa que vai? Esta cidade pertence à Asgeir, o Manco.

- Vim a mando de Wulfgaard “Bjorn”, seu verme comedor de merda. Abra logo esse portão antes que eu passe meu cavalo por cima de você, e antecipe seu encontro com o outro mundo.

Mais três homens chegaram com as espadas já em mãos. Eu desci de Swarta e desembainhei Sangue Fresco. Os quatro homens me olhavam, mas nada faziam. Até que um deles correu em minha direção com a espada para cima e gritando feito um louco. Me abaixei e esperei ele chegar mais perto. Só quando estava prestes a abaixar o braço em mim, levantei com velocidade e acertei seu queixo com o punho de minha espada. Ele caiu para trás cuspindo sangue e os poucos dentes que tinha. Os outros homens, que sobraram de pé, já haviam me cercado quando alguém falou.

- Parece que alguém perdeu os últimos dentes que possuía. – O homem de pé em cima do muro soltou uma gargalhada. – Você. Cavaleiro. O que veio fazer aqui?

- Vim a mando de Wulfgaard “Bjorn” levar um padre para nossa aldeia. – Disse ainda mantendo a guarda.

- Wulfgaard? Filho de Olaf?

- Sim. Esse mesmo.

- Deixem o homem entrar. – Com isso, desceu do muro.

Adentrei pelos portões puxando Swarta pelas rédeas. Havia muitas pessoas naquela cidade. Tanto saxões como dinamarqueses. O homem que estava no muro veio mancando em minha direção.

- Então você é o homem que irá levar o padre. – Ele me olhou de cima a baixo. Já era bem velho. – Pensei que viriam mais com você, ou, que mandassem um com o dobro de sua altura.

- Isso é porque você ainda não viu o tamanho da minha espada. – Nisso segurei meu saco. – Imagino que sua mulher vá gostar quando ver.

O velho me fitou sério por alguns instantes, mas logo soltou outra gargalhada poderosa e me deu um tapa no ombro.

- É disso que eu gosto. Senso de humor. – O velho me deu um leve empurrão. – Vamos filho. Vamos andar.

- Sou Asgeir, o Manco. Já deve ter percebido, afinal, nem todos mancam por aqui. – o velho sorriu. – Como te chamam?

- Johan Skald Ulfarsson.

- Hum... Conheci Wulfgaard quando ele ainda era criança. – caminhávamos em uma rua larga com construções dos dois lados. – Lutei ao lado de seu pai algumas vezes, e numa delas, um maldito franco atravessou sua espada na minha coxa. – Asgeir passou a mão na perna ferida. – Mas logo em seguida matei o desgraçado e mijei sobre seu cadáver.

Alguns homens de Asgeir nos seguiam enquanto caminhávamos. A fumaça saía do teto das casas, o sol já desaparecia no horizonte e eu só desejava estar com Ailith.

- Por que querem um padre na aldeia? – perguntou Asgeir.

- Existem tantos cristãos quanto nós lá. Por isso Wulfgaard atendeu ao pedido de terem um padre.

- Malditos cristãos. – Praguejou o velho Asgeir. – São como ratos. Covardes e espalham-se rápido. – Paramos em frente a uma casa. – Hoje você passará a noite aqui. O padre estará o estará chamando pela manhã. Logo ali, por onde passamos, fica a taverna. Lá tem comida, bebida e mulheres. Menos a minha, é claro. – Outro tapa em meus ombros e Asgeir se foi.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Cap. I: Um novo começo - Pt. I

Haviam se passado algumas semanas desde aquela noite. Ailith já arriscava algumas palavras em Dinamarquês e nós conhecíamos um ao outro a cada dia que passava. Assim como a maioria dos saxões, ela rezava para o deus cristão, mas isso nunca causou uma briga entre nós.

A aldeia estava mudando, crescendo. Casas estavam sendo construídas, a velha igreja de pedra estava sendo reformada, um grande salão quase pronto tomava lugar no ponto mais alto da aldeia, que ficava junto ao paredão de pedra que terminava no rio. A paliçada também estava sendo feita com agilidade, pois seria a nossa única defesa contra um ataque saxão.

Agora, Ailith e eu, tínhamos a nossa própria casa, que dividíamos com mais duas famílias. Não era o melhor conforte que eu queria dar a ela, mas foi o que eu consegui de melhor. A casa possuía apenas um cômodo. Tinha o chão de junco, uma lareira no centro dele, que servia para fazer a comida e iluminá-lo. Havia uma abertura no teto de turfa para a fumaça sair, mesmo assim a maior parte da fumaça ficava dentro da casa e os incêndios eram constantes. O cômodo possuía também um pequeno tablado de madeira nas laterais e no fundo, onde ficava a cama-caixote para Ailith e eu, e também uma cadeira entalhada onde somente o chefe da casa poderia se sentar. E o chefe da casa era eu, porque agora eu tinha uma família.

Haviam chegado pelo rio pelo rio Crouch, há uns dias atrás, dois knorrs – que era a embarcação utilizada para transporte. – com as esposas, irmãs, irmãos e filhos dos homens que agora moravam na aldeia. Nem todo homem possuía esposa e filhos na Dinamarca, e esses, assim como eu, logo formaram família com as mulheres saxãs encontradas lá mesmo, ou em vilarejos próximos onde fazíamos saque. Esses homens, por amor ou influência das esposas, acabavam se tornando cristãos. E assim a população cristã foi crescendo junto a nós, os pagãos.

À pedido dos cristãos a igreja estava sendo reformada para que os novos e antigos tivessem aonde falar com o seu deus, e também foi pedido que um padre fosse mandado à aldeia para realizar as missas.


Wulfgaard não questionou o pedido dos cristãos, afinal, queria agradar saxões e dinamarqueses. Quando tomávamos uma cidade, matávamos apenas os homens que a defendiam. Os outros continuavam lá, com a mesma vida de antes. Até mesmo os governantes eram mantidos, mas quem dava as ordens, éramos nós. Por conta disso, Wulfgaard me incumbiu de apanhar um padre que se encontrava na cidade de Thundersley, que ficava a meio dia de cavalgada. Meu senhor não queria que eu fosse sozinho e falou para que eu levasse alguns homens comigo, mas preferi ir sozinho, assim iria mais rápido. Me despedi de Ailith nas primeiras horas da manhã daquele dia e disse que voltaria logo. Ela estava apreensiva, não queria que eu fosse sozinho. Ainda havia saxões escondidos em alguns lugares. Pequenos grupos, mas contra apenas um homem poderia significar a morte. Mesmo assim eu tentei tranquilizá-la dizendo que amanhã eu estaria chegando com o tal padre. Ela me abraçou e me deu um beijo demorado. Tentou esconder, mas eu vi que tinha lágrimas em seus olhos quando me afastei da casa indo em direção ao estábulo apanhar Swarta, meu cavalo negro como a escuridão.

- Uuuh... Agora além de cantarolar, também toma conta de velhos.

- Não sei o que sua mãe tinha na cabeça quando pariu a mesma coisa que eu cago, Halfdan.

- Hahaha! Se minha mãe parisse o que você caga, ela o chamaria de Johan!

Os homens riram alto dos insultos amigáveis trocados entre nós. Havia bastante movimento no centro da aldeia. Mulheres carregavam cestos, homens trabalhavam nas casas, na igreja e na paliçada, e crianças corriam ou simulavam combates empunhando pedaços de pau.

- Fiquei sabendo que você vai buscar o padre em outra cidade, e pelo jeito quer se divertir sozinho. – Halfdan estava no centro da aldeia com outros homens.

– É verdade. – respondi. – Quis ir sozinho porque não há motivo para cansar mais cavalos, e também eu não iria cavalgar meio dia de viagem ouvindo sua voz, como se uma cabra velha estivesse balindo ao meu lado.

- Você está muito engraçadinho hoje – Halfdan ria com os outros homens. – tome cuidado para que nenhum saxão enfie uma lança pelo seu rabo e saia pela sua boca.

Eu apenas aquiesci e me dirigi ao estábulo. Selei Swarta, acariciei seu focinho, dei um tapinha em sua barriga e montei. Swarta era um garanhão grande e veio em um dos knorrs que chegaram com as famílias. O céu estava limpo e já não fazia tanto frio, pois a primavera havia chegado. Cavalguei em direção ao que seria o portão da aldeia. Ainda estava sendo construído. E lá estava Ailith com as mãos entrelaçadas, olhos vermelhos, segurando um cordão de couro com uma cruz amarrada na ponta.

- Johan! – Ela gritou. – Que Deus esteja com você.
Ela ergueu o cordão e eu me abaixei. Ela o pôs em meu pescoço e a cruz ficou sobre a roupa. Bati o calcanhar em Swarta, saí da aldeia, e assim comecei minha jornada para buscar um padre.