quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Capítulo II: O Teste de Ingvar - Parte VII

- Meu nome é Theudebald – Falou o homem ainda sentindo sangue fresco pressionando sua garganta. – Sou de Rouen, e sou apenas um mercador.

Theudebald falava um dinamarquês pobre, mas dava para entender. Rouen era uma cidade da Frankia, e nós conhecíamos aquela costa muito bem. Seu navio já estava tomado, apenas ele e alguns remadores ainda viviam.

- Se você é apenas um mercador, não vejo necessidade de possuir o elmo, a espada e a cota de malha. – Falei escarnecendo.

Theudebald se fez de desentendido, ou, realmente não notou que eu queria seus pertences. Não trocaria Sangue Fresco pela espada dele, as espadas da Frankia são as melhores que há, só que Sangue Fresco também era de lá.

- De onde você vem franco? – Perguntou Wulfgaard calmamente.

- De Rouen senhor. – Viasse claramente que Theudebald não era guerreiro. Tremia como um bezerro no frio.

- Não quero saber de onde você é idiota! – Rugiu Wulfgaard. – Quero saber de onde veio e o que tem no barco.

Theudebald disse que viera de Dublin, na Irlanda, e que depois parou em Wareham, que ficava em Wessex, e que comercializava por lá. Disse também que todos temiam o avanço dinamarquês, e que a única esperança dos saxões do oeste, era o fyrd. O fyrd era os homens do campo que, quando chamados, se juntavam ao exército. Não eram guerreiros, mas era bastante numeroso.

No barco não encontramos nenhum verdadeiro tesouro, apenas algumas moedas de prata, lingotes de estanho, carne salgada e algumas peles de cabra. Também havia uma garota, e Theudebald disse que ela era uma escrava que ele tentara vender, mas não obtece sucesso. Seu nome era Fiona, era irlandesa, e não sei o motivo pelo qual não a compraram. Ela tinha cabelos em cachos ruivos como ferrugem, possuía todos os dentes e era muito bonita. Diferente de Ailith, Fiona tinha um belo par de seios, que deixaram os homens prontos para fornicar, mas antes que a estuprassem, Wulfgaard a exigiu para si como sua parte no saque.

Fiona parecia estar muito assustada, então pensei que para ser uma escrava, ela já estaria acostumada com isso. Suas roupas estavam limpas e não havia manchas de doenças em sua pele. Achei estranho, mas não me importei com isso.

Passamos todas as coisas para o Cavalo do Mar, inclusive Fiona. Ela não lutou e nem nos xingou, apenas chorava. Wulfgaard tentou acalmá-la dizendo que ninguém iria fazer-lhe mal, mas acho que ela não entendeu, pois continuava a chorar.

Ingvar não havia lutado, os outros homens haviam pulado no barco de Theudebald primeiro, e quando ele chegou, todos os que nos atacaram já estavam mortos. Ele teria sua hora de matar, e ela já estava chegando.

Fomos para Selsey.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Capítulo II: O Teste de Ingvar - Parte VI

Naquele dia não importava quem era o rei de Wessex, pois nós éramos vikings ansiosos por um bom saque e pelo sangue de alguns monges medrosos. Fomos para o sul, vadeando a costa, e víamos pessoas nos observando ao longe. Para o povo que viva no litoral, a imagem de um navio com uma cabeça de dragão na proa e uma serpente na popa, dava medo. Não havíamos colocado quase nada no interior do barco, mas estávamos certos que o saque seria grande, portanto voltaríamos com o navio atulhado de objetos. Como não havia dinamarqueses ao oeste de Lundene, ainda haveria prata, ouro e alimento para o inverno.

Quanto mais ao sul nós íamos, mais o sol sumia e as nuvens ficavam mais escuras. Uma chuva fraca caía e junto com ela a noite chegava. Como não havia estrelas, não poderíamos navegar noite adentro, então ancoramos em uma pequena enseada que encontramos e ali passamos a noite.

Durante a noite, a chuva aumentou e os ventos também. Foi um momento de tensão, pois as ondas fortes poderiam empurrar o Cavalo do Mar nas pedras, mas nada aconteceu e em pouco tempo a chuva e os ventos cessaram. Pelo que vimos, Njord tinha gostado do sacrifício e nos poupado aquela noite, e ainda nos deu um grande presente pela manhã.

Nos preparávamos para sair da enseada quando avistamos um barco pequeno de três remos. Ficamos observando e não parecia que havia guerreiros a bordo, então destapamos os buracos, colocamos os remos na água e fomos em direção ao barco solitário. Se avistássemos guerreiros bem armados, talvez deixássemos ele partir. Wulfgaard, assim como todos os outros jarls, não podia perder muitos homens em batalha, porque teria que esperar até a primavera para que outros chegassem. Por isso só se lutava contra o que era possível vencer, ou, o impossível de ser evitado.

O barco estava indo para leste, mas quando nos avistou indo em toda velocidade em sua direção, se virou para o sul. Não tinha como fugir. De fato não era um dinamarquês, parecia ser franco, e isso nós confirmamos quando chegamos mais perto e vimos o homem gritando em seu idioma para que remassem mais rápido, enquanto outro homem, de pé na proa, chicoteava os remadores. Seus remos subiam e desciam com força, mas o Cavalo do Mar era mais veloz e, assim fomos chegando perto da popa e avançamos pelo lado direito. Puxamos nossos remos e emparelhamos na lateral do barco, quebrando todos os remos deles. Vi remadores caindo dos bancos por causa do impacto do remo quebrando no peito. Não chega a matar, mas quebra umas costelas.

Eu estava vestido para o combate, que não passou de um massacre, mas quando as espadas levantam, o sangue jorra e os homens caem, não importa se é batalha ou massacre, só importa o prazer. O prazer de sentir a vida de um homem terminando em suas mãos.

Prendemos o barco ao nosso e nos preparamos para pular. Não havia motivo para fazer uma parede de escudos, os remadores não eram guerreiros, os homens que os comandavam eram apenas três e o dia era nosso.

- Sangue! Por Thor! – Wulfgaard rugia enquanto pulava e acertava Morte Fria no rosto de um dos comandantes, que caiu com um buraco entre os olhos, que não paravam de sangrar.

Fui em direção ao homem que estava no leme, pois possuía um elmo com placa facial todo decorado em prata e bronze, e eu o queria para mim. Um dos remadores veio em minha direção com os braços erguidos acima da cabeça e segurava uma espada. Antes que ele pudesse me golpear,enfiei Sangue Fresco em sua garganta e sua espada caiu para trás, enquanto ele caía e levava suas mãos ao ferimento. Chutei sua cara e fui ao homem que já havia largado o remo leme, e agora segurava uma bonita espada e um escudo. Um remador caiu à minha frente com uma flecha enterrada no peito nu. Foi só o tempo em que me distraí olhando-o, que o homem veio para cima de mim gritando feito um filhote de cão com fome. Ele me golpeou, cortando o ar pela direita, mas aparei o golpe com meu escudo. Dei uma estocada e ele se afastou antes que minha lâmina encostasse em sua cota de malha. Ele xingava e cuspia em minha direção, então tentou golpear meu tornozelo. Girei o corpo e sua espada foi ao vento. Ele se desequilibrou e eu o empurrei com meu escudo, fazendo com que ele caísse. Vendo que não tinha como viver, ainda tentou se levantar e lutar, mas coloquei Sangue Fresco em sua garganta e exigi saber quem era.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Capítulo II: O Teste de Ingvar - Parte V

Após ter feito o que viera fazer, Wulfgaard voltou com os outros para a aldeia, já que não ficava tão longe. Eu fiquei pensando que em dois dias sujaria Sangue Fresco com o sangue de um Bispo. Em um reino onde era mais importante rezar do que lutar, matar um Bispo era algo que me deixava feliz.

As revoltas contra nosso domínio são comuns. Alguns homens dizem que não irão pagar os impostos, mas depois que alguns deles são mortos a revolta acaba. Todos os reinos saxões que tomamos nós deixamos o rei em seu trono, ou, os ealdormen, que são os principais nobres da terra. Os reis e os ealdormens são o poder de um reino, são homens que têm grandes terras e montam exércitos. Abaixo deles estão os reeves, que são responsáveis pela lei na terra de um senhor. Os homens ricos que podem liderar seguidores na guerra, mas que não possuem grandes terras como os nobres, são chamados de thegns. Abaixo deles estão os ceorls, que são todos os homens livres, mas se perder seu meio de vida, pode se tornar um escravo. É assim que os saxões se organizam, mas no fim, quem dita as regras somos nós, eles são apenas meros fantoches guiados por nossas mãos. Eles e os malditos homens da Igreja eram quem instigavam as revoltas, ou ao menos sabiam delas, mas quando chegávamos para saber o que tinha acontecido, eles nunca sabiam de nada, ou, dizem que não tinha sido nada que tenha fugido do controle.

Naquela noite, um pouco antes de dormir, Ailith e eu conversamos sobre o que seria feito, entre outras coisas, e uma delas era que nome teria o filho que estava por vir. Eu disse que se fosse menino Iria se chamar Egil e se fosse menina Sigrid. Porém, ela queria que tivesse um nome saxão, e menina seria Ealdgyth, enquanto menino seria Aiken.

Falei que isso não era nome de homem e que para mim, os dois eram de menina. Ela se zangou e falou que era para eu dormir lá fora, mas então eu perguntei o que Aiken queria dizer e ela me respondeu que significava feito de carvalho. Ela disse que nosso filho seria forte como um carvalho, então eu aprovei e fomos dormir. Eu estava feliz pois tinha uma boa mulher, teria um filho forte como um carvalho e em dois dias mataria alguns monges e um Bispo.


Não se passaram nem muitos anos desde o nosso ataque à Selsey, e a estória já mudou e cresceu absurdamente. Sendo um skald, eu sei que quando uma estória é contada, sempre se aumenta um pouco os fatos. A briga sempre se torna uma grande batalha, poucos homens tornam-se milhares, e que aquele que foge ou se esconde, acaba se tornando o grande herói e será lembrado para sempre. Nós somos pagos para aumentarmos os fatos, e não relatar o que realmente aconteceu.

Hoje, quando falam dos perversos vikings que atacaram o pobre mosteiro de Selsey, dizem que um verdadeiro exército cercou o local, quando na verdade éramos apenas 76 homens. A tripulação do Cavalo do Mar era de 72 homens que se revezavam em, 36 por vez, nos 18 remos que faziam o Cavalo do Mar deslizar pelas águas.

Naquela manhã eu havia ido para a aldeia, que crescia a cada dia, e levei Ingvar comigo. Wulfgaard havia mandado duas serviçais para que Ailith não ficasse sozinha, e com elas, também foram dois homens para as protegerem de qualquer animal ou ladrões.

O Cavalo do Mar já estava pronto para cortar o mar, assim como minha espada corta os homens. Acho que nenhum dinamarquês consegue ficar longe do mar por muito tempo, e eu já não via a hora de sentir o balanço das águas, o vento forte batendo em meu rosto, e as pequenas gotas que sobem e refrescam em um dia de sol forte.

O dia não estava muito bom para navegar, mas quando chegássemos ao mar, faríamos um sacrifício a Njord. Colocamos Ingvar em um dos remos para que aprendesse os mistérios do mar, e também treinasse sua musculatura. O garoto era magro, mas já estava ganhando músculos com facilidade, devido ao nosso treinamento diário. Reclamava de dor, mas quando ele entrasse em sua primeira parede de escudos, os músculos que doeram para se formar, seriam melhores do que um braço fraco e corpo mole. E assim ele remou pelo Crouch, as pás dos remos batiam na água e refletiam a pouca luz de sol que havia. As nuvens pareciam nos seguir, mas não desistimos da idéia. O outono estava chegando e com ele, suas tempestades.

Então chegamos ao mar.

As ondas estavam batendo forte contra a costa e o vento soprava com furor. Ingvar deveria agradecer naquele dia, pois, por causa do vento, puxamos os remos para dentro e tapamos os buracos. Antes que partíssemos definitivamente, matamos um porco e deixamos o sangue correr pelo barco. Jogamos o animal ao mar para que Njord aceitasse o sacrifício e nos desse uma boa viagem. O vento agora batia com força na grande vela do Cavalo do Mar e fazia com que ele cortasse as ondas que cresciam à sua frente. Não é fácil guiar um navio desses pela vastidão do mar, ainda mais em um dia daquele, mas quem guiava era o “Urso”, Bjorn, o homem que mais amava aquele navio, e conhecia o mar tanto quanto um padre conhece a prata.

Selsey ficava no litoral de Wessex, o único reino que ainda não tinha caído diante dos nossos olhos, mas sua hora chegaria. Wessex tinha por rei Æthelred, um bom rei pelo que diziam. Tinha um filho chamado Æthelwold que era ainda um bebê. Quem estava sempre ao seu lado era Alfredo, seu irmão. Mas essa já é outra história.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Capítulo II: O Teste de Ingvar - Parte IV

Eu pensava que as minhas maiores perdas aconteceram quando eu ainda era uma criança. Eu perdi meu pai, minha mãe, irmãs e irmãos, minha terra e minha vida. Jurei para mim mesmo que nunca mais iria sentir uma perda, mas nós homens somos fracos ao passarmos por coisas que tiram nosso chão. Achamos que estamos no controle de tudo, quando na verdade, quem tece o fio do destino de casa homem, são as Norns.

Quando perdi minha vida pela primeira vez eu tinha 10 anos e pensei que nunca me recuperaria, mas depois de muito choro e lutas, eu me tornei um homem. Ainda me recordo das coisas, e apenas me dão força para seguir sempre em frente. Eu nunca pensei que perderia minha vida de novo, mas o fio do meu destino estava sendo tecido conforme as fiandeiras queriam, e não eu.

Percebi com o tempo que Ingvar foi o mais próximo que eu tive de um filho. No princípio foi um pouco difícil convivermos diariamente debaixo do mesmo teto. Aguentar aquele cagalhão choramingando porque seu corpo doía, devido ao treinamento, me tirava do sério. Cada vez que eu ouvia uma murmuração, fazia com que ele treinasse mais, e se mesmo assim ele continuasse, eu o espancava com um pedaço de pau.

Ingvar treinou durante toda a primavera e verão. Ele ficou mais forte, seus músculos cresceram e seu peito ficou largo. De dia e noite ele andava com cota de malha e elmo, assim se acostumaria com o peso e não perderia a agilidade em um combate. Ao contrário do que pensava, Ingvar se tornou muito bom com a espada, e eu me orgulhava de ter transformado um cagalhão em um guerreiro de verdade. Mas Ingvar só se tornaria um bom guerreiro depois que sobrevivesse à primeira fila de uma parede de escudos, e eu queria ver como o garoto iria se sair no meio daquela matança.

Ailith gostou muito da nova casa que era mais espaçosa que a outra. Tivemos que expulsar os antigos moradores, mas não foi problema. Viver no campo a deixava bem mais feliz do que viver dentro dos muros de uma cidade. Tínhamos nossa terra, nossos animais e tudo estava indo bem. Ela tratava Ingvar como um filho, mesmo não sendo muito mais velha que ele, e ele a ajudava em tudo, ainda mais por sabermos que ela estava esperando um filho meu. Meu primeiro. Demos uma grande festa para celebrar o que eu esperava há muito tempo. Ficamos bêbados e contentes, e naquele dia eu era o meu feliz dentre todos os que ali estavam, porque eu teria um filho.

Passado alguns dias, naquele fim de verão, eu treinava Ingvar quando vi cavaleiros se aproximando. Ao longe não víamos se eram amigos ou não, então Ingvar foi buscar uma lança para mim e uma para ele. Ingvar já havia entrado em casa, quando vi o estandarte do urso, era Wulfgaard. Os cavaleiros iam se aproximando e vi que Wulfgaard vinha na frente, seguido por Halfdan, Gudrik e mais alguns homens.

- Pelo que estou vendo, já está preparado para a guerra. – falou Halfdan me zombando.

- Sempre estou preparado, mas agora eu estava treinando com Ingvar. – Nesse momento o garoto veio correndo pela porta de casa com toda sua roupa de guerra e mais duas lanças.

- Por Hel! Onde esse garoto está indo? Matar dragões? – Falou Gudrik em voz alta e em tom zombeteiro.

- O único dragão que irei matar será a sua mãe. – Retrucou Ingvar.

Gudrik ficou surpreso com a resposta de Ingvar e todos riram por ver Gudrik sem reação.

- Parece que o garoto não aprendeu somente a lutar. – Falou Wulfgaard.

- Não mesmo. – Respondi. – Mas o que vieram fazer aqui? Ragnar já chegou?

- Ainda não, mas precisamos conversar.

- Na verdade vocês estavam sentindo minha falta e vieram aqui para acabar com minha comida e minha cerveja – Brinquei com isso e mandei Ingvar ajudar Ailith com as coisas. – A casa é pequena, mas tem lugar para todos, menos para você Halfdan, acho melhor ficar com os porcos.

- Tenho pena deles. Você já deve ter fornicado com todos os coitados. – Retrucou em alta voz e gesticulando o ato.

Todos apearam e amarraram os cavalos. Alguns pássaros cantavam e o som do Crouch servia como um calmante àqueles que o escutavam. O sol estava no ponto alto do céu, era por volta de meio-dia, e algumas nuvens pareciam indicar que aquele final de verão estava indo embora, e o outono, chegando com suas tempestades.

Wulfgaard e os outros entraram e Ailith os recebera com muita alegria. Ela gostava de viver entre nós, dizia que sabíamos como dar uma festa de verdade, ao contrário dos cristãos, mesmo ela também sendo uma cristã. Ela nos serviu pão velho, arenque seco, queijo e cavalinhas, e como não poderia faltar, a cerveja.

Qualquer encontro era motivo para festejar, e esse não foi diferente. Histórias foram contadas, músicas cantadas e novamente tive que contar como fiquei sendo chamado de Johan, o Berseker. Ailith e Ingvar participaram do festim que só terminou ao crepúsculo. Havia um barril e meio de cerveja, e os homens tinham trazido mais dois em um dos cavalos. O resultado disso foi Ingvar brandindo sua espada e dizendo que iria matar todos os saxões que ele encontrasse, depois caiu de joelhos e vomitou durante toda a noite.

Só depois que toda cerveja havia acabado, é que Wulfgaard começou a falar o que seria o motivo da visita.

- Além de querermos sua comida e bebida – falou Wulfgaard irônico. – Queremos que venha conosco até Selsey. – Que ficava em Chichester.

- E o que tem lá para fazer?

- Soubemos que o ataque que você sofreu, foi ordem de um homem chamado Guthheard, e ele é Bispo de Chicester.

Parece que Guthheard estava em Elmham discutindo assuntos da Igreja, e também incitando aos homens para que se levantassem contra nós. Ele estava voltando para Selsey com quatro guardas e alguns homens que resolveram segui-lo, quando nos encontrou. Vendo que estava em vantagem numérica, resolveu nos atacar, mas acabou derrotado e fugiu para Selsey.

- Agora nós iremos até Selsey para colocarmos a cabeça desse verme na ponta de uma lança, e aproveitamos para ganharmos alguma coisa. – Completou Halfdan.

- E quando partiremos? Perguntei já sentindo o prazer de matar um Bispo.
- Em dois dias, pela manhã. Lembre-se de levar o garoto com você, mas antes, ensine-o a beber como homem. – Isso provocou o riso de todos.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Capítulo II: O Teste de Ingvar - Parte III

Depois de uma noite de descanso, fui acordado por uma certa agitação na aldeia. Havia gritos, mas não de medo ou algo ruim, mas gritos de júbilo. Ailith preparava algo para comermos, e só de olhar aquela mulher, meu sangue já ficava mais quente novamente. Por mim, repetiria a “batalha” da noite, mas eu precisava ver o que acontecia lá fora.

- Sabe o que está havendo lá fora? – Perguntei a ela.

- Não sei ao certo – Respondeu com um sorriso no rosto. – Mas acho que o padre está incluído nisso.

- Vou dar uma olhada. O que tem para comer?

- O mesmo que ontem oras. E fique muito feliz com isso – Agora o sorriso já havia sumido, mas ela continuava delicada. – Já falei que não gosto daqui. Por que não podemos morar em uma casa maior, termos nossa própria terra, nosso gado?

- Já conversamos sobre isso. Não posso fazer o que quero, tudo o que tenho devo à Wulfgaard. Não posso tomar decisões importantes sem o consentimento dele, mas falarei com ele.

Fui ver o que estava havendo, e vi que Ailith estava certa. Padre Baldwyn estava no centro da aldeia e segurava uma cruz feita de gravetos. Uma multidão estava em volta dele e gritavam a Deus, se ajoelhavam, deitavam no chão enquanto o padre pregava a palavra que libertaria a vida daqueles que a ouvissem. Ao longe estava Wulfgaard observando o frenesi daquelas pessoas. Com ele estavam Eclaf e Eirik, então me juntei a eles.

- Johan, o Berseker – Disse Eclaf num tom debochado. – Se você ganhou esse nome por ter matado dois com uma fúria repentina, eu deveria ser chamado como o próprio Thor! Matar dois é para crianças ou cães fedorentos.

- Com a barriga que possui, não consegue nem deitar sobre uma menina sem sufocá-la, como vai matar um homem? – Eclaf era um bom guerreiro, gostava de tirar sarro dos outros, mas odiava quando faziam o mesmo com ele. – O que o padre está fazendo?

- Está falando sobre um homem que foi levado ao céu por uma carruagem de fogo – Respondeu Wulfgaard, que parecia estar interessado na história. – Ele também falou sobre algo que devemos fazer quando nos tornamos cristãos, só não sei o que é.

- Ah! É tomar banho no rio. – Disse rindo.

- Para ser cristão deve se tomar banho no rio? – Eirik estava surpreso em ouvir isso.

- Não é bem tomar banho. O padre me disse que é como lavar as coisas erradas e começar tudo de novo sendo cristão.

- Coisas erradas? Então tenho que dar um belo banho na minha mulher. – Disse Eclaf chorando de rir.

- Prefiro morrer afogado no rio, do que ser cristão. – Todos nós rimos do que Eclaf e Eirik disseram, e pela interpretação de Eirik como se estivesse se afogando.

Padre Baldwyn encerrou sua palavra e as pessoas voltaram aos seus afazeres. Ailith também tinha ouvido parte do que o padre falara, e agora conversava com Gyda, a mulher com quem ela conversara aquela noite na taverna. Eclaf e Eirik tinham ido ver se os reparos no Cavalo do Mar – o navio de Wulfgaard – iam bem, e agora o padre Baldwyn vinha em nossa direção.

- Johan! – O padre parecia surpreso em me ver. – Ouvindo a palavra de Deus? A sua mulher estava lá.

- É eu vi.

- Ela já é batizada?

- Você quer saber se ela já tomou banho no rio, é isso?

- Não é bem isso, já lhe expliquei, mas tudo bem entenda assim.

- Não sei padre, isso só perguntando a ela.

Nesse momento Wulfgaard tomou a palavra.

- Onde aprendeu nossa língua padre?

- Aqui mesmo meu filho. Achei que seria necessário depois que vocês chegaram aqui pela primeira vez.

- E você sabe desenhar sons? – Perguntou Wulfgaard com seriedade.

- Desenhar sons? Você quer dizer se eu sei escrever. Sim, eu sei.

- Então desenhe para mim: Todos os homens morrem, mas nem todos os homens vivem.

Então o padre desenhou, com o dedo na terra, o que Wulfgaard lhe falou.

- Você vai desenhar isso naquilo onde vocês cristãos possuem suas histórias.

- Mas eu não tenho o que preciso aqui.

- Me fale o que precisa e eu conseguirei.

Padre Baldwyn agradeceu e foi para a igreja. Eu fiquei pensando o porquê do interesse de Wulfgaard na escrita do padre, mas não perguntei nada e quando fosse a hora eu saberia o motivo. Ele me perguntou se eu tinha visto Ingvar lutando, mas eu nada tinha visto além dos homens que matei. Também não entendi sua preocupação com Ingvar, mas logo saberia.

- Johan, preciso que você faça algo por mim. – Wulfgaard estava pensativo e eu imaginei logo que teria que ir para longe novamente.

- Contanto que não seja me tornar cristão, pode falar. – Respondi com sarcasmo.

- Não, não quero que se torne um homem que só sabe rezar, mas não sabe lutar – Retrucou com uma risada. – No começo do outono, Ragnar irá chegar e depois eu precisarei voltar à Dinamarca para resolver alguns assuntos pendentes.

- Seu primo Ragnar?

- Sim, ele mesmo.

Ragnar, o Vermelho, como era chamado por ser muito ruivo, era tão bom guerreiro como Wulfgaard e também ótimo companheiro. A única diferença marcante entre os dois era que Ragnar sempre foi muito mais brincalhão que seu primo.

- Ele virá para podermos marchar para Wessex? – Perguntei animado.

- Não. Ele virá para guarnecer a aldeia enquanto eu volto à Dinamarca, e como viajarei, não poderei treinar Ingvar até o fim, e é esse o meu pedido, que você o treine.

- Posso bater no cagalhão? – Perguntei em tom zombeteiro.

- Não pode. Deve. – Respondeu Wulfgaard também zombando.

- Eu apenas gostaria de pedir uma coisa também – Wulfgaard aquiesceu e eu continuei. – Ailith deseja morar em uma casa no campo, criar seu gado, ter sua terra para cuidar.

- Acho que você está fazendo ela gemer alto demais à noite, e quer morar em um lugar vazio para não incomodar ninguém. – Wulfgaard segurou meu ombro enquanto ria sem parar. – Já viu alguma casa que tenha lhe agradado?

- Na verdade sim. Quando vinha para cá, vi uma que ficava próxima ao rio. Acho que é o que Ailith deseja.

- Não vejo problema nisso. Amanhã você pode ir para sua nova casa, mas levará Ingvar com você, e quando eu precisar você estará aqui.

Concordei e fui para casa contar à Ailith a grande novidade.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Capítulo II: O Teste de Ingvar - Parte II

Fui para o grande salão onde me disseram que Wulfgaard estaria. O salão já estava pronto e apenas tratavam de deixar o teto bem feito, para que a água da chuva não entrasse. A fachada era decorada com cabeças de dragões e serpentes, desenhos de lobos, ursos e águias. Quando entrei, avistei Wulfgaard assentado em uma cadeira próxima à lareira, e a sua frente estavam Naddod, Ingvar e padre Baldwyn. As paredes do salão possuíam escudos, lanças, machados e espadas, e também o estandarte do urso.

- Johan! Ainda está vivo homem? – Wulfgaard estendia um pote com hidromel até a boca, e minha alegria ao ver o caldeirão com o líquido foi imediata.

- Não sou tão fácil de matar assim. Bem que tentaram.

- Eu o mando trazer um padre e você me traz um garoto, junto com um guerreiro?

Quando eu abri a boca para falar, Naddod tomou a frente na apresentação.

- Meu nome é Naddod e este é Ingvar, filho de Asgeir, o Manco.

- Asgeir? Aquele porco fedorente ainda vive? – Wulfgaard o conhecia desde criança e ficou surpreso ao saber que ainda vivia. – Conheço seu pai há muito, garoto. Mas então, o que os trouxeram aqui?

- Antes que Ingvar nascesse Asgeir havia dito que seu filho se tornaria um guerreiro pela mão de Wulfgaard, o Urso.

- Já matou algum homem garoto? – Indagou Wulfgaard.

- O garoto já...

- Cale a boca! – Wulfgaard se levantou e arremessou o pote com hidromel para longe. – Eu estou falando com o garoto. A menos que ele seja mudo, sugiro que fique calado. Você é a mãe dele?

- Olha como fala co... – Novamente Naddod fora interrompido quando Wulfgaard foi em sua direção com velocidade, e o empurrou até a parede com seu antebraço, prendendo-o pelo pescoço.

- Olha como fala você, seu vermezinho de merda! – Wulfgaard falava cara a cara com Naddod. – Você não é nada para mim seu bosta. Te mato como mataria sua mãe, mas não quero ter desavenças com Asgeir por tão pouca coisa. Se quiser ficar aqui, dormirá com os cavalos, ou pode ir embora agora.

Wulfgaard o soltou e Naddod caiu de joelhos buscando ar. Ele podia ser um grande guerreiro, mas a fama de Wulfgaard era bem maior. Ingvar olhava assustado o seu novo mestre, enquanto padre Baldwyn soltava um risinho ao ver Naddod tentando se levantar. Eu o olhava sério e com uma enorme vontade de espancá-lo até a morte, mas acho que Wulfgaard não concordaria.

- Nós ainda nos encontraremos Bjorn – Naddod havia se levantado e caminhava para a grande porta do salão. – No campo de batalha ou fora dele. Isso também serve para você, homenzinho.

- Se você tiver amor pela vida, vai querer que isto não aconteça, cãozinho. – Respondeu Wulfgaard rindo e latindo feito um cão.

E assim ele se foi. Naquela mesma noite, Naddod cruzou os portões de Withburga, e só iríamos nos encontrar muito tempo depois. No salão só restavam Ingvar, Padre Baldwyn, Wulfgaard e eu. O padre fazia o sinal da cruz ao ver alguns símbolos e o crânio de um urso acima da cadeira onde Wulfgaard voltava a se sentar.

- Mas que bastardo... Mas eu havia lhe perguntado se já matou algum homem garoto. O que você me diz? – Wulfgaard olhava para Ingvar parecendo que vasculhava sua alma.

- Na verdade sim – Ingvar gaguejava ao falar e tremia um pouco. O olhar inquisidor de Wulfgaard parecia estar dando certo. – Matei meu primeiro homem quando vinha para cá.
- Está com quantos anos garoto?

- Acho que 15, senhor. – Ingvar pareceu envergonhado ao falar sua idade, e assim sabermos que ele nunca havia matado antes daquele dia.

- Seu pai nunca o levou para uma luta, ou mandou você matar alguém?

- Sim senhor, mas eu não manejo a espada com firmeza – O garoto baixou a cabeça mostrando que realmente era um cagalhão. – Não sou, nem acho que serei um bom guerreiro.

- Isso nós ainda vamos ver. Por hora você pode ir. Procure Halfdan e diga que eu mandei arrumar um lugar para você ficar. – Dito isso, Ingvar se retirou do salão. – E quanto a você padre, acho que sabe onde fica a igreja. Lá tem um lugar para você ficar.

- Muito obrigado senhor Wulfgaard. Que Deus lhe abençoe.

- Não preciso do que o seu deus tem – Wulfgaard exibia preso ao pescoço um grosso cordão de prata com martelo de Thor. – É bom que você se comporte padre, ou verá seu deus mais rápido do que imagina.
Padre Baldwyn também se retirou do salão, então Wulfgaard veio querer saber sobre o ataque que sofremos, já que o padre já havia falado por alto o que havia ocorrido. Contei como tudo havia acontecido e Wulfgaard me disse que eu seria chamado de Johan, o Berseker, por causa da minha súbita loucura. Pude enfim beber o hidromel que eu tanto ansiava e comer uma boa carne. Logo depois Halfdan, Eirik e Gudrik chegaram e eu contei novamente a história de como três homens haviam vencido doze, e como um padre atravessou uma lâmina pelo tórax de um homem e assim me salvou. Comemos, bebemos e rimos durante todo o dia, até que à noite fui para casa, onde Ailith ainda me esperava acordada para que travássemos um outro tipo de “batalha”. E tenho que dizer que foi mais cansativa do que a que tive pela tarde.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Capítulo II: O Teste de Ingvar - Parte I

Hoje quando fico sozinho e volto ao passado, me recordo da doce Ailith correndo pela grama verde, brincando nua nas águas do rio Crouch ou aconchegada em meus braços no frio das noites de inverno.

Naquele entardecer primaveril, quando chegamos a Withburga, foi assim. Avistamos o estandarte de Wulfgaard, que era um pano preto em forma de triângulo que ficava com a ponta para baixo. Na parte de cima era escrito Bjorn – que significa urso – e logo abaixo ficava o desenho de um urso em branco. Algumas pessoas trabalhavam na terra fora da paliçada que já estava praticamente pronta, faltando apenas a plataforma onde ficaríamos para acertar com uma lança a cabeça de qualquer desgraçado que chegasse perto demais. Era um muro de terra com uns 4 metros, o que dificultaria a subida de qualquer homem, e logo acima do muro ficava a paliçada com grossas toras de madeira. À frente do muro de terra ficava um fosso com estacas afiadas. O fosso rodeava toda a fortificação, menos no ponto onde ficava o portão, e foi esse portão que eu vi se abrindo e deixando minha Ailith correr em minha direção com os cabelos esvoaçantes, os braços estendidos e aquele sorriso único no mundo.

Ela corria em minha direção chamando meu nome e eu trotei com Swarta até chegar próximo a ela, então apeei e fiquei ao lado do animal esperando que ela chegasse. Ailith se atirou aos meus braços, me jogando para trás fazendo com que eu caísse na grama com ela em cima de mim. Rimos com a queda e eu nunca soube como ela não se machucou ao bater em minha cota de malha.

Vi que algumas pessoas também riam com a cena, e pude ouvir o som do chifre avisando que tínhamos chegado. Naddod e Ingvar passaram por nós e apenas olharam do alto de seus cavalos com arrogância. Padre Baldwyn, ao contrário deles, desmontou de seu cavalo e veio ter conosco.

- Então essa é a bela esposa que você tanto falou? – A pergunta foi feita enquanto ele segurava a mão de Ailith e a abençoava.

- Ela não é minha esposa padre, é minha mulher.

- Johan me disse que você é cristão minha filha. Segue verdadeiramente o caminho de Deus? – Os dois conversavam em saxão, portanto eu não entendia uma palavra. Ailith me contou depois o que falaram naquela hora.

- Sim padre. Faço minhas orações todos os dias.

- Como cristã você deveria se casar com Johan debaixo das bênçãos de Deus. Deseja isso minha filha?

- Claro que sim padre.

- Mas para isso ele deverá se tornar cristão também. Acha que ele aceitará?

- Posso tentar, mas não acho que ele irá negar sua crença nos outros deuses.

Pelo jeito que falavam eu sabia que o assunto era eu. Como não entendia o que diziam, mandei que falassem em dinamarquês.

- Johan. Sua mulher como cristã, deve ser casar com você debaixo das bênçãos de Deus – Padre Baldwyn falava em tom ameno e parecia querer me explicar bem, para que eu aceitasse a proposta. – E para que o casamento seja realizado, você precisa se tornar cristão.

- E como me torno cristão?

- Eu te levarei a um rio, e ali mergulharei o velho Johan para que o novo Johan, lavado e remido pelo sangue de cristo se levante. – Essa explicação de mergulhar no rio, aconteceu porque não existia palavra em nosso idioma que fosse parecida com batismo.

- Você vai me lavar no rio? – Ri ao imaginar o padre gordo e fraco tentando me suspender.

- Não vou te lavar. Lavarei seus pecados e você será purificado para a Glória de Deus.

Ailith apenas nos observava enquanto falávamos. Ela já entendia muitas palavras em dinamarquês, por isso devia estar rezando para que eu também me tornasse cristão.

- Então me lavando no rio eu me torno cristão?

- Sim meu filho.

- E como ficaria com os outros deuses?

- Não há outro Deus além do Deus de Israel Johan!

- Como não padre? Nós invadimos suas terras, matamos seus homens, estupramos suas mulheres e o que o deus cristão fez?

- Tudo faz parte do propósito de Deus, Johan.

- Não padre. Há uma guerra entre os deuses, e parece que a lança de Odin é mais poderosa que a mão do seu deus. – Não sei se Ailith ligava realmente para um casamento cristão, mas eu não trocaria de deuses, ainda mais pelo que estava perdendo.
Padre Baldwyn foi caminhando para entrar na aldeia, e assim que passou pelos portões, beijou o chão. Perguntei a Ailith se tinha o que comer, pois eu estava faminto, e para minha tristeza, apenas míngua de aveia e enguias defumadas. Dei um tapinha em seu traseiro e mandei-a ir na frente que eu ainda iria falar com Wulfgaard.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Capítulo I: Um Novo Começo - Parte IX (final)

- Senhor Jesus! Perdoe-me por ter tirado a vida desse pobre homem – O choro não cessava e as lágrimas escorriam pelo seu rosto cansado. – Quero teu perdão! Não quero ir para o inferno, Deus!


- Por que está chorando padre? Deveria estar alegre, afinal, salvou minha vida. Tenho que admitir que para um padre, você matou bem. Temos uma dívida.


- Você não entende Johan. Eu infringi um dos dez mandamentos de Deus, matei um homem. Como posso ficar alegre sabendo que irei para o tormento eterno do inferno?


- Dez mandamentos? Para quê um homem precisa de tantos? – Padre Baldwyn me olhou com uma cara feia depois que disse isso. – Você iria para o inferno mesmo salvando a vida de outro homem?


- Sim. – Respondeu confuso.


- Se seu deus não entende isso, ele não é Deus. Se ele não é Deus, suas leis não valem, e você não tem com o que se preocupar.


Desde que eu conhecera o padre Baldwyn nunca o tinha visto ou falando algo que mostrasse alguma maldade. Ele realmente não era como os outros malditos padres, bispos e monges que falavam do deus deles, mas acabavam fazendo justamente o contrário. Por isso também é que achávamos divertido matar esses miseráveis e vê-los clamarem para seu deus que nunca os respondia.


Caminhamos de volta para os cavalos, onde Naddod e Ingvar haviam lutado. As mãos do padre ainda tremiam e o soluço de seu choro continuava. O capim alto à nossa volta estava salpicado com o sangue dos saxões que foram mortos, bastardos que agora serviriam de alimento para os animais. Sangue Fresco havia provado o sangue desses saxões imundos e agora estava tão vermelha que não podia se ver o brilho meio azulado do aço de sua lâmina. Meu corpo nu, da cintura para cima, também estava respingado com o sangue dos desgraçados, meus cabelos estavam molhados por causa do suor e sangue, e meu espírito exultante pelo sabor do combate. A morte é minha vida.


- De onde esses bastardos surgiram e por que fugiram assim? – Naddod também sujo de sangue empurrava um dos mortos para o lado com seu pé. – Um bando de covardes!


- Não meu senhor, eles não fugiram porque são covardes, mas sim porque pensaram que Johan era o demônio. – Interveio padre Baldwyn.


- Eu? O demônio? – Dei uma risada e coloquei a camisa e a cota de malha. – Quando eu for o demônio padre, levarei você comigo.


Padre Baldwyn fez o sinal da cruz.


- Johan, um homem que tira a cota de malha, elmo, e luta sem escudo como peito nu, não é algo muito comum de se ver.


- Também não é comum um padre matar um homem, do seu próprio povo, e, no entanto você o fez. – Naddod falou rispidamente enquanto bebia um gole d’água.


- Matei por impulso e estou arrependido. Estou em pecado e não sou merecedor da glória de Deus. – O padre estava com as mãos para o alto e olhava para o céu.


- Pare com essa baboseira padre – Não adiantava que o santo homem ficasse choramingando o que já fora feito. – Eu ficando sem o equipamento, só serviria de incentivo para que eles atacassem, e não fugissem como veados sendo caçados.


- Seus olhos Johan, estão vermelhos. Ficaram irritados por causa da fumaça, e você ainda partindo apenas com sua espada, eles pensaram que você fosse o demônio. – O padre ria com o que dizia.
- Eu já sabia que eram todos uns cagalhões covardes, mas achar que o homenzinho fosse o demônio é burrice – Naddod ria com o ocorrido ou por terem achado que eu seria um demônio. - Fugiram de medo por causa de um skald. Medrosos.


Eu já estava novamente vestido para a guerra e prendia meu escudo à sela de Swarta. Ingvar estava sentado em seu elmo e olhava para o chão com uma expressão de completo idiota, enquanto limpava sua espada em um movimento quase automático e frenético. Ele podia ser um cagalhão, mas eu não o culpava, afinal, sentir o gosto do sangue de um homem pela primeira vez era algo único e medonho. Eu me lembro da primeira vez que matei um homem, eu tinha 12 anos e não foi nada fácil. Quando eu escrevo um poema sobre os homens e suas vitórias, sempre descrevo como foi fácil para o guerreiro matar o inimigo, me pagam bem para isso, mas só quem luta é que sabe que matar é uma arte difícil de aprender, mas depois de dominada transforma um homem em uma arma letal.


- Acha que eram tão medrosos assim cão imundo? - Só porque tivemos um contratempo, não significava que eu fugiria de Naddod, por isso o convidei para o combate. – Se pensa assim, lute comigo e descubra o motivo de tamanho medo.


- Não tenho medo de um homenzinho. O matarei logo e mijarei em você, depois seguirei viagem. Quando chegar ao mundo dos mortos, Hel saberá que morreu por minhas mãos ao sentir o cheiro do meu mijo.


Como antes, nós dois empunhávamos as espadas e trocávamos insultos, e em breve, sangue seria derramado.


- Se ficarmos aqui, os homens que fugiram irão voltar com reforços, e não haverá demônio que os espante. – Ingvar falou pela primeira vez desde o ataque.


- O senhor Ingvar está certo, e além do mais, se perdermos tempo com mais uma luta, não chegaremos antes do anoitecer em Withburga.


Naddod e eu nos encaramos ainda por alguns minutos, e sem dizer uma palavra, percebemos que Ingvar e padre Baldwyn estavam certos. Era muito arriscado ficarmos ali e aparecerem mais saxões, por isso embainhamos as espadas e montamos novamente. Antes nós ainda pegamos duas espadas, dois elmos, uma cota de malha e três machados.


Ao chegar a Withburga, contaria o ocorrido a Wulfgaard e eu sabia que descobriríamos quem foram os saxões que nos atacaram. Não pertenciam a nenhum exército, portanto eram camponeses que não estavam satisfeitos com o controle dinamarquês na sua terra, ou algum monge incitou-os ao levante. Os desgraçados iriam pagar por isso, assim como suas mulheres, filhos e filhas. Mas, para que isso ocorresse, deveríamos chegar à aldeia antes do anoitecer. Agradeci a Odin pela vitória e trotamos pela estrada.


Nesse momento eu apenas desejava beber um bom hidromel, comer uma boa carne e ter a minha mulher.

Eu apenas desejava isso.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Capítulo I: Um Novo Começo - Parte VIII

O grito que Ingvar deu quando viu os saxões, se igualava ao grito de uma menina vendo um enxame de abelhas. Os desgraçados haviam colocado aquela carroça ali justamente para que um pequeno grupo parasse e eles atacassem. Começaram a aparecer do mato alto e foram nos cercando rapidamente. Pude contar doze homens, mas poderia haver mais escondidos. Não eram homens pertencentes a um exército, a maioria não tinha cota de malha ou couro, utilizavam apenas lã. Dois ou três estavam com couro apenas. Também não havia muitas espadas nem escudos, nos atacariam com lanças, foices e machados em sua maioria. Mesmo assim ainda estávamos em desvantagem, éramos dois contra doze, já que Ingvar era inexperiente e o padre Baldwyn ainda não tinha aparecido desde que caíra no mato alto.

- De costas um para o outro! – Eu gritava a ordem para que os dois imbecis viessem para junto de mim e formássemos um triângulo, onde um ficando de costas para o outro, nos defenderíamos melhor.

Eu não acreditava que sairíamos com vida dali. Eu sabia que o triângulo não iria durar muito tempo, e quando isso acontecesse, os dois que estariam de pé receberiam a lâmina no meio das costas e assim minha missão estaria terminada.

Ingvar estava na minha direita e sua espada tremia feito vara verde. Coitado do cagalhão. Imagino que seu pai já o tenha levado para assistir alguma batalha, mas já tendo visto ou não, lutar contra doze saxões ao lado de apenas dois guerreiros dinamarqueses, dava medo em qualquer um. Até Naddod que parecia ser um bom guerreiro, não parava de xingar e reclamar por não termos avançado com os cavalos pelo capim alto, e assim, fugido dos saxões. Eles, por sua vez, estavam agora vindo devagar e se juntavam mais. Seria apenas um ataque, homem após homem, eles viriam para nos matar.

- Teremos que segurar esses desgraçados ao máximo – Eu estava nervoso, mas conseguia pensar no que fazer, isso é ser um guerreiro. – Vamos acabar com o moral deles e depois com suas vidas!

- Depois que isso terminar, resolveremos nosso problema, pequeno guerreiro. – Naddod mantinha os olhos fixos nos saxões á sua frente, insultava-os e batia com sua espada na bossa do escudo vermelho e branco que carregava.

Os saxões iam chegando mais perto e o cerco ia se fechando. Os cães que Naddod trouxera estavam latindo sem cessar para o inimigo, e só aguardavam a ordem para atacar e assim, poderem rasgar pele e músculos com seus afiados dentes. Meus pés estavam firmes no chão, minha mente concentrada em apenas retalhar e matar, e eu segurava com força Sangue Fresco. A fumaça era soprada pelo vento em nossa direção fazendo com que meus olhos ardessem e minha boca ficasse seca. O suor descia de minha testa e eu sentia a cota de malha pesar sobre meu corpo. O elmo parecia me atrapalhar e o escudo não me permitia fazer movimentos rápidos. Não sabia o que estava havendo comigo, pois sempre lutei muito bem com todo esse equipamento, mas naquele dia era diferente. Eu me sentia pesado e lento com tudo aquilo e ainda tinha a maldita fumaça que fazia com que meus olhos ardessem sem parar.

Os saxões estavam mais perto, ao ponto de podermos ver os dentes podres que eles exibiam com as risadas que davam, em ver três ratos dinamarqueses totalmente cercados. O que eles não tinham aprendido ainda, ou tinham se esquecido, é que nós dinamarqueses não somos ratos como eles. Nós somos ursos que urram diante da morte.

- Seus vermes filhos de uma cadela imunda!

Eu não conseguia mais ficar sentindo todo aquele peso sobre meu corpo, e em um ato rápido e impensável, joguei o elmo no chão, tirei a cota de malha e minha camisa, e deixei o escudo cair de meu braço. Eu estava nu da cintura para cima e meu corpo mostrava as marcas de antigos combates. Meu cabelo estava preso por uma fita de couro, então o soltei e naquele momento o festim de sangue, a vontade de matar, o gosto pela morte havia tomado conta de mim.

Nesse momento do gosto pela matança eu não consigo me lembrar de tudo, mas sei que abandonei o triângulo e corri em direção ao saxão que estava à minha frente exibindo aqueles dentes podres. Ouvi o comando de Naddod para seus cães, que passaram correndo por mim e saltaram sobre um dos homens. Mas o que eu queria era o saxão à minha frente, que vinha empunhando uma foice. Corri em sua direção com Sangue Fresco abaixada, deslizando sobre o capim da minha lateral. O homem baixou a foice, cortando o ar, vindo na altura dos meus olhos, então levantei Sangue Fresco e aparei seu golpe jogando a foice para longe. Ele estava com uma expressão de pavor e abriu os braços como se pedisse misericórdia, o problema é que eu não sou Deus para tê-la. Com Sangue Fresco ainda no ar, baixei-a e fiz um corte fundo no peito do homem que caiu de braços abertos e esvaindo-se em sangue. Havia sangue dele salpicado no meu rosto e no meu corpo, e como tudo estava sendo muito rápido um segundo agressor tentou investir sua espada contra meu flanco esquerdo. Girei e aparei o golpe, bati com o punho de Sangue Fresco na sua cara de porco e vi alguns dentes voarem junto com sangue. O homem cambaleou e antes mesmo que abrisse os olhos, cravei minha lâmina em seu peito, fazendo com que ele se encolhesse para frente. Ele estava caindo, então puxei Sangue Fresco, sangue voou sobre o capim, e antes que ele caísse a enterrei em suas costas. Sangue Fresco ficou presa e tive que pisar no homem ainda agonizante para soltá-la. Vi que os outros saxões estavam fugindo apavorados, e que Naddod e Ingvar também tinham lutado.
Eu estava com a respiração pesada e com uma vontade enorme de continuar a matança. Ainda com o pé no peito do saxão com cara de porco, levantei minha espada e dei um brado de vitória a Odin, e não teve como não ouvir. Fui caminhando em direção aos dois, quando escutei um gemido atrá de mim. Virei-me e vi que um saxão estava parado com uma lâmina saindo de seu peito, o machado em sua mão havia caído e seu corpo perdia a força. Seus olhos já sem o brilho de vida olharam nos meus enquanto ele caía. Foi então que vi padre Baldwyn atrás do homem caído, suas mãos sujas de sangue e uma cara de assustado pior que a de Ingvar. Ele caiu de joelhos e começou a chorar feito uma criança desmamada. Olhava para as mãos sujas com o sangue do homem que matou e pedia perdão pelo que tinha feito.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Capítulo I: Um Novo Começo - Parte VII

- Acha que isso pode ser um ataque dos seus amigos, skald? – Naddod havia parado seu cavalo, mas não havia sinal algum de medo naquela cara feia.

- Pode ser, mas nós já saqueamos tudo nessa área. As aldeias menores nos pagam o Danageld – que é o tributo pago a nós para que não ataquemos suas terras. Quanto mais pagam, menos recursos têm, então quando os recursos acabam e não nos pagam, nós atacamos. – Pode ser que alguém não nos tenha pago.

- Tomara que sim – Naddod voltava a cavalgar e parecia não se incomodar com o que poderia estar no caminho. – Não quero me cansar com uma luta nessa manhã.

Naddod era tão cheio de si que se tornava algo esquisito de se ver. É importante ter confiança em você mesmo e na sua espada, mas sua vida está nas mãos dos deuses. Eles que decidem sua vida, seu futuro, seu destino. Ele devia ser um bom guerreiro, pois não era qualquer um que possuía uma cota de malha tão bela e um cavalo tão bem tratado. Deveria ter bastantes terras e riquezas para ser noivo da filha de Asgeir, o Manco. Talvez por tudo isso eu não confiasse nele, ou talvez sua prepotência, mas eu precisava vê-lo lutando com alguém antes que fosse comigo. Queria conhecer meu futuro oponente, porque eu sabia que algum dia isso iria acontecer.

Ingvar, assim como todo cagalhão, não falava e nem fazia nada. Se falasse gracinha para mim ou Naddod, iria apanhar feito criança. Então continuava cavalgando ao lado de Naddod sem abrir o bico, e acho que nem peidava de tanto medo. Mas o silêncio de Ingvar foi interrompido quando avistamos o que ardia em chamas, criando aquela coluna de fumaça.

- Mas o que é aquilo na estrada? – Ingvar com os olhos arregalados e pele pálida, esticava o dedo na direção em que olhava.

- Parece que algum porco idiota ateou fogo à carroça no meio da estrada – Todos nós olhávamos atentos para os lados enquanto Naddod falava. – Deve ser um dos seus amigos idiotas, skald.

- Ou talvez sua mãe tenha passado por aqui e quando abriu as pernas para meus amigos, queimou tudo o que estava à sua volta. – Respondi enquanto cavalgávamos em direção à carroça.

- Você é o filho de uma porca prenha, pequeno guerreiro de bosta! Está querendo morrer?

- Se é tão bom assim, desça do cavalo e tente a sorte.

- De novo não senhores. Todos nós precisamos chegar em segurança à aldeia de Withburga. – Padre Baldwyn, como da outra vez, só queria apaziguar as coisas.

- Feche essa boca com bafo de vômito seu velho de saia! – Naddod desceu do cavalo e eu fiz o mesmo. Ingvar também desceu e ficou olhando para nós dois, já empunhando as espadas. Padre Baldwyn foi o único que continuou montado e começou a rezar.

Eu já estava pronto para o combate. Meu coração batia forte naquele momento. Não me lembro como estava o céu ou se pássaros voavam naquela hora, apenas me lembro do momento do furor do combate, saber que eu poderia fazer com que Sangue Fresco provasse da carne de mais um que cruzou o meu caminho, ou, eu poderia estar caído ao chão agonizando ou já morto. Se eu morresse naquele momento, morreria bem, pois estaria com minha espada nas mãos e um guerreiro deve morrer assim. Naddod era um adversário forte e medonho, difícil de encarar no combate e fora dele, mas eu não estava ali para desistir e nem para morrer. Eu não sou apenas um skald ou um pequeno guerreiro como aquele idiota dizia, eu sou um grande guerreiro com o sangue de meu pai correndo nas veias, meu pai que era descendente do próprio Odin, grande homem de guerra, um dos maiores guerreiros que a Dinamarca já pôde ver. Ulfar, o Gelado. Mas isso eu contarei um pouco mais adiante.

Meu problema naquela hora, grande problema, era Naddod. Como eu faria para vencê-lo? Com todo aquele tamanho eu poderia tentar cansá-lo, mas eu teria que ser muito rápido, um golpe dele e tudo estaria acabado para mim, porém, melhor morrer lutando e assim manter minha reputação do que ser um covarde cagalhão como muitos por aí. Olhei naqueles olhos negros e fundos de Naddod, apertei firme o punho de Sangue Fresco, fiz minha oração para Odin e provoquei Naddod.

- O que está esperando saco gigante de bosta? Acha que sua mãe vai passar de novo aqui para me incendiar com o lugar de onde você saiu um dia?

Naddod não respondeu, nem deve ter pensado em algo para falar, apenas grunhiu como um animal e se lançou contra mim. Ele vinha girando sua espada em minha direção e nesse momento lembrei-me de quando era criança e meu pai me dizia: Você é meu filho, e como seu pai e o pai de seu pai, irá se tornar um guerreiro. O sangue que corre em meu corpo corre em você meu filho. Sangue do próprio Odin, sangue guerreiro. Tem algo que eu quero que nunca se esqueça. O gado morre, os parentes morrem, a própria pessoa morre. Conheço apenas uma coisa que não morre – o renome dos nobres mortos.
Quando me lembrei disso senti meu corpo tremer, mas não era medo ou desespero por ver aquele ser vindo em minha direção, era a vontade de matar. Raiva por recordar do passado e não poder ter feito nada, pois tinha apenas dez anos. Quanta raiva dentro de mim. Olhei Naddod, que chegava cada vez mais perto e com velocidade, cortando o ar com sua espada que vinha em direção ao meu rosto. Em um momento inesperado de raiva, ódio, dor e tristeza, gritei o nome de meu pai e levantei com rapidez Sangue fresco, fazendo com que ela golpeasse com força a espada que vinha em minha direção. O impacto entre elas foi tão forte que onde as lâminas se encontraram, uma faísca surgiu seguida de pequenas lascas de ambas as espadas. Paramos por um segundo por causa do dano causado às lâminas, quando uma lança passou voando entre nós e acertou em cheio o peito do cavalo em que o padre Baldwyn estava, fazendo o animal relinchar de dor e jogar o santo homem no meio do capim alto. De início pensei que fossem os homens de Wulfgaard, mas eles não acertariam o cavalo e sim, o homem que lutava comigo. Foi quando ouvimos o grito ensurdecedor de Ingvar.
- Saxões!

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Capítulo I: Um Novo Começo - Parte VI

- Como está a igreja de Santa Withburga meu filho?

- Está sendo reformada padre. Os homens estão trabalhando sem parar. É capaz de já estar pronta quando chegarmos.

- Tomara meu filho, tomara. Estou ansioso para falar de Cristo para aqueles novos cristãos.

- Cuidado para não falar demais padre – Dei um sorriso ao lembrar-me de um padre que falou demais e cortamos-lhe a língua. – Não fiz essa viagem para que você morra lá.

- Já lhe disse que com Deus eu estou seguro meu filho – Dizendo isso, beijou a velha cruz de madeira presa ao pescoço.

O vento balançava a grama alta que crescia ao lado da estrada de terra em que seguíamos. O barulho que produzíamos assustava alguns pássaros que estavam no mato alto, fazendo os cães de Naddod correrem como loucos atrás dos pássaros que voavam.

- Então nossa aldeia é chamada de Wit... O que mesmo padre?

- Withburga meu filho – Ele falou dando um risinho por eu não ter conseguido falar o nome da cadela. – Foi uma virgem santa aqui da Ânglia Oriental, filha mais nova do rei Anna. Depois que ela perdeu o pai em uma batalha, foi para Dereham e lá fundou uma igreja. Pena que não pode ver a igreja ficar pronta, pois morreu antes – Agora ele tinha uma afeição triste enquanto falava. – Ela foi uma verdadeira santa e está sepultada em Dereham, mas a mão direita está na igreja da aldeia que tem o nome dela.

- Está me dizendo que lá guardam a mão de uma mulher que morreu faz anos? – Perguntei com escárnio.

- Isso mesmo – O sorriso voltou ao rosto do padre quando ele falou disso. – E estou muito feliz em saber que verei a mão da santa novamente.

- Quando entrei na igreja não vi nenhuma mão ressacada de uma defunta – Ri alto ao imaginar uma defunta defendendo uma cidade. – Vocês cristãos dizem que somos loucos por queimarmos nossos mortos e vocês guardam a mão de uma morta e estão sãos?

- A mão da santa é milagrosa até hoje meu filho! – O padre estava ficando fervoroso ao falar da santa e sua mão cadavérica. – Ao tocar na mão várias pessoas foram curadas, mulheres que não podiam ter filhos estão grávidas e, além disso, a santa nos protege.

- Protege tão bem que nós tomamos a aldeia em menos de uma hora – Novamente eu ria alto enquanto o padre Baldwyn fez cara de bravo e me olhou sério. – Matamos alguns homens, estupramos as mulheres e escravizamos as crianças e não vi santa alguma. Por isso que eu confio na minha destreza com a espada e nos deuses, do que na mão de uma mulher morta.

- Olha como fala da Santa Withburga! – Padre Baldwyn levantou o dedo indicador com fúria, parecia que iria lançar uma maldição. - Deus pode te transformar em um cão que caga sangue por falar isso!

- Se isso acontecer padre, eu irei atrás de você e depois de matá-lo, mijarei em seu corpo e cagarei sangue nessa sua grande boca que tem – Dei um sorriso.

Naddod e Ingvar não falaram conosco durante todo o caminho que percorremos até avistarmos uma pequena coluna de fumaça. Estava um pouco distante de nós, mas já dava para ver que não era um incêndio grande. Queimávamos fazendas e aldeias inteiras, mas aquela fumaça era pouca para que fosse uma propriedade grande. Os dois à frente apenas nos olharam e continuaram cavalgando sem dizerem nada, e assim fomos seguindo pela estrada de terra cercada por mato alto.

- Acha que estamos seguros Johan? – Dava para ver claramente que padre Baldwyn estava preocupado com o percurso. Ele era saxão, mas em um ataque, talvez perdesse a vida também. Caso fossem dinamarqueses, poderiam querer matar o padre apenas por diversão.

- Pensei que confiasse no seu deus, padre.

- Ora! Cale a boca e responda a minha pergunta!

- Está convivendo tempo demais com os dinamarqueses, velho – Ele segurava a cruz de madeira com força e olhava para todos os lados. Por isso os saxões estavam perdendo suas terras para nós, apenas sabiam rezar ao invés de lutar. – Mas estamos seguros sim, pelo menos até agora.

- Vocês são três dinamarqueses. Se aparecerem mais de vocês, acho que verei a face de Deus ainda hoje.

- Por outro lado padre, se aparecerem saxões, virão matar os três dinamarqueses que devem estar seqüestrando o velho padre indefeso. Então nós é que veremos as Valquírias ainda hoje.

Padre Baldwyn riu com a hipótese, mas continuava apreensivo. À medida que cavalgávamos, a coluna de fumaça ia chegando mais perto, ficando mais densa e já podíamos sentir o cheiro de queimado.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Capítulo I: Um Novo Começo - Parte V

- Continuando... – Naddod andava pela grande sala indo em direção à pequena Frida. – Se o cagalhão aqui e esse gordo careca que usa vestido forem sozinhos, duvido que cheguem à aldeia. Com sorte, chegarão com uma lança enfiada no peito e o pé preso no estribo.

- O senhor Naddod está certo, senhor Asgeir. Se formos apenas nós, seremos mortos. – padre Baldwyn agora se juntava à voz de Naddod.

- Não vou deixar meu filho viajar com um verme comedor de merda. – Asgeir apontava a espada para mim.

- Se você permitir Asgeir, eu vou com o padre e seu filho. Mas para isso, tenho que levar o pequeno guerreiro ali. – Naddod queria algo com isso, eu só não sabia o quê.

- Para que precisa levar o bastardo?

- Eu não sei o caminho, e acho que nem o velho de saia, nem o cagalhãozinho saibam. – Naddod olhou para os dois, recebendo apenas um meneio de cabeça dizendo que não sabiam. – Além do mais, se eu chegar lá sem o pequeno guerreiro, quem volta pendurado no estribo, sou eu.

Asgeir mandou que todos saíssem do salão e só ficassem os homens livres do lugar. Ele estava fazendo uma Althing, que é uma reunião para saber a opinião de todos. O motivo dessa Althing era eu, e seu resultado seria meu destino.

Padre Baldwyn estava de joelhos com a cabeça baixa. Segurava forte a cruz de madeira que possuía, enquanto falava baixinho algo que eu não entendia.

- Rezando para o seu deus padre?

- Sim. – Ele abriu os olhos e levantou a cabeça. – E acho que você também deveria.

- Não conheço seu deus padre. Nem nunca vi o poder dele.

- Então reze para os seus. – Agora ele se levantava. – Minha cabeça não vale nada aqui. A sua pelo que vi, já vale alguma coisa.

- Você é daqui mesmo padre?

- Sim. Sou de Wessex. – Ele sorria

- Você fala dinamarquês muito bem, para quem é daqui.

- Obrigado meu filho. Resolvi aprender depois que vocês chegaram aqui em 851. Falando sua língua é mais fácil falar de Cristo.

- 851? E em que ano estamos agora segundo seu deus?

- 870 meu filho.

A porta do salão se abriu e todos saíram de lá. Asgeir parou na porta e tocou o punho de sua espada enquanto me fitava. E em meio ao barulho natural que a cidade produzia, Naddod veio até mim.

- Pegue seu cavalo pequeno guerreiro, e você também padre. Vamos viajar.

- Meu nome é Johan Skald. – Olhei bem fixo para ele. – E se me chamar de pequeno guerreiro novamente, eu arranco o seu couro e o ponho para cobrir meu escudo.

Naddod deu uma gargalhada e foi pegar seu cavalo. Eu e padre Baldwyn fizemos o mesmo. Ingvar também estava indo pegar seu cavalo e assim nós começamos nossa jornada.


Cruzamos o portão um pouco depois de esperarmos Ingvar montar em seu cavalo novamente após ter caído por ter esquecido de prender a sela ao animal. O garoto era mesmo um cagalhão. Tinha um corpo franzino, bem fraco, não tinha porte e nem jeito de guerreiro. Não sabia como conseguia erguer sua própria espada. Mas ali estava ele, cavalgando todo pomposo como se fosse um verdadeiro líder.

Bem diferente disso era Naddod, que cavalgava ao lado de Ingvar. Além de alto, era muito forte. Não possuía um rosto mutável. Era uma expressão sempre fechada, raivosa. Os cabelos loiros contrastavam com sua cota de malha reluzente. Ele sim deveria ser um bom guerreiro. Não conseguiria uma malha daquelas sendo um medroso. Com ele estavam seus dois cães. Hopp e Yrsa. O que era para ser uma viagem silenciosa estava se transformando em barulho com aqueles cães latindo e correndo.

Já havia se passado algumas horas desde que saímos de Thunderslay e o sol batia em nossas cabeças com força. Naddod e Ingvar, que iam à frente, conversavam e riam alto. Padre Baldwyn e eu não falávamos muito, talvez por estarmos mais atenciosos com o caminho até a aldeia de Withburga. Durante o caminho não vimos pessoa alguma, apenas pássaros, pequenos animais e gado pastando. Padre Baldwyn vinha cantarolando uma música bem chata naquela língua que eu não entendia e eu não via a hora dessa viagem acabar, chegar em casa e sentir o beijo de Ailith de novo.

Por mim, não iria pegar padre algum. Na verdade, acho que mataria todos eles. Fracos. Não têm honra. Qualquer problema e logo pedem ajuda para seu deus, se ajoelham e imploram pela desprezível vida que possuem. O povo passa fome enquanto eles guardam ouro e prata em suas patéticas igrejas. Raça de víboras. Se for para ser um cristão assim, continuarei com meus deuses e deusas, meus sacrifícios, meus ritos, minha guerra e minha honra. Mesmo sentindo esse desprezo por padres, monges e qualquer tipo de sacerdote cristão, o padre Baldwyn não me causava essa repulsa, talvez por ele não aparentar gostar da riqueza. Não usava as grossas e pesadas correntes de ouro com cruzes de prata no pescoço, só tinha aquele cordão de couro com a velha cruz de madeira. Vivia se preocupando com as pessoas à sua volta mais do que com ele mesmo. Acho que esse era o diferencial que ele possuía.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Capítulo I: Um Novo Começo - Parte IV

Chegamos à grande casa onde Asgeir, o Manco e seu filho Ingvar estavam. Quando entramos, os dois estavam sentados à mesa e fomos convidados a sentarmos com eles. Mais alguns homens estavam lá também. Foi servido pão, queijo e hidromel, e eu não via a hora de sair dali.

- Então Johan! – gritou o velho Asgeir. – Mostrou sua espada para muitas mulheres na taverna ontem?

- Infelizmente não encontrei sua mulher ontem para que tal coisa fosse feita. – Falei com a boca cheia de queijo.

- É porque ontem ela estava sentindo uma espada de verdade rasgando seu rabo. – Soltou uma gargalhada enquanto fazia um gesto com os braços e corpo, indicando que tinha fornicado com sua mulher.

Os homens da sala caíram em risos enquanto o padre Baldwyn baixava a cabeça e pedia perdão a Deus por estar no meio de uma conversa tão rude.

- Meu filho lhe disse ontem que vai seguir com vocês. – Asgeir estava com a barba suja de hidromel e pão. – Os três cavalos já estão prontos para serem selados no estábulo. Quando terminarem aqui já poderão partir.

- Não irei levar o garoto comigo. – Protestei. – Vim aqui apenas para levar o padre, e não para tomar conta de um garoto que pensa ser guerreiro.

- Como ousa falar assim do meu filho? – Asgeir se levantou e socou a mesa. – Retire o que disse ou vai morrer como um cão implorando pela vida!

- E quem vai me matar? – Levantei e puxei Sangue Fresco da bainha. – Esses homens? Seu filho? Sua mulher? Você?

- Tenham calma senhores. Ninguém vai matar ninguém aqui. – O padre Baldwyn era o único homem calmo naquele momento. – Senhor Asgeir, eu me responsabilizo por levar seu filho até a aldeia de Withburga.

- Pode levar, mas antes, eu vou matar esse filho de uma prostituta velha!

- Mas senhor Asgeir, se ele morrer, não teremos como chegar à aldeia. E assim o senhor também irá entrar em guerra com o senhor Wulfgaard. – Padre Baldwyn era o único que tentava resolver as coisas de forma pacífica.

- Se Wulfgaard entrar em guerra comigo, não valerá nada igual a este cão sarnento. – O velho Asgeir já estava empunhando sua espada. – Daqui ele só sai morto ou com um milagre.

Asgeir, Ingvar e os homens que estavam ali empunhavam suas espadas. O padre Baldwyn tentava amenizar as coisas, mas parecia não adiantar. Eu estava em grande desvantagem. No máximo conseguiria matar dois ou três antes de morrer. Eu só queria ver Ailith mais uma vez, mas para sair dali, apenas morto ou com um milagre. E a hora do meu milagre havia chegado.

- Papai! Deixe o homem ir. Ele precisa guiar o padre Baldwyn e Ingvar até a aldeia.

Eu fiquei estagnado. Quem era aquela? Era uma menina linda. Tinha o rosto redondo, corpo com curvas e carne, e longos cabelos loiros que faziam cachos. Um par de olhos verdes que faziam qualquer homem ficar embasbacado. Era mais nova que seu irmão, não passava de 13 anos, mas possuía uma personalidade forte.

- Não se meta aqui Frida. Isso é conversa para homem. E você, minha filha, é apenas uma garotinha.

- Não sou mais uma garotinha – A menina fitava cada homem no salão com seus grandes olhos verdes. Seu vestido possuía fios de ouro. Um cordão de prata pendia em seu pescoço, e ao fim do cordão, uma cruz de ouro. – e meu irmão é muito chato mesmo. Nunca participou de batalha alguma e pensa que é guerreiro. – Ela sorria. – Se forem apenas os dois, ele e padre Baldwyn, estarão desprotegidos.

- Seu irmão descende de uma nobre linhagem de guerreiros. Mesmo não tendo participado de batalhas, o sangue de vários guerreiros corre em suas veias.

- Sangue esse que estará derramado antes do sol se pôr caso eles forem sozinhos. – Disse uma voz vinda do lado de fora do salão.

Os homens olharam assustados para a porta buscando a voz que vinha através dela. Era uma voz medonha, parecia um grunhido, como um ogro. Padre Baldwyn estava sério e parecia se sentir desconfortável com aquela voz. Era como se estivesse ouvindo a voz do demônio. Frida sorria, dando a entender que conhecia a voz. Asgeir e Ingvar não ficaram surpresos, mas não gostaram da afronta. Eu faria o que fosse preciso para me manter vivo e voltar para casa. Enfrentaria qualquer homem, ogro ou demônio que entrasse por aquela porta. Porém, as três Norns fiavam algo diferente do que eu pensei.

- O que veio fazer aqui Naddod? – Asgeir estava mais irritado que antes.

- Soube que estava acontecendo uma pequena reunião aqui, então vim dar uma olhada. – O homem que entrou por aquela porta só poderia ser um ogro. Era tão alto que precisou se abaixar para entrar. – Além disso, também vim ver minha noiva.

Nesse momento, Frida abriu mais ainda o sorriso.

- Se você não estava aqui antes, é porque não foi convidado a estar aqui, seu idiota. – Falou Ingvar.

- Respeito muito o seu pai, mas se falar comigo assim de novo cagalhão, enfio minha espada na sua barriga e a tiro pelo se rabo. E enquanto você estiver no chão, sangrando, vai ver meus cães comendo suas tripas. – Retrucou Naddod exibindo um sorriso malévolo enquanto eu soltava um pequeno riso com suas palavras.

Ingvar até cutucou o pai, mas ele nada fez.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Agradecimento

Bom galera, venho agradecer a todos que estão acompanhando a história no blog. Por causa das provas na facul e não postei semana passada, mas pra compensar, postei hoje a terceira parte. 4ª vai ter a postagem normal.
Quero agradecer especialmente a Stefanie que desde o começo está me perturbando pra postar todos os dias (coisa que não vou fazer), ao Diogo que sempre comenta por aqui, ao Eduardo Spohr que me deu muita força e incentivo com o conto, ao pessoal do www.onerdescritor.com.br que também estão postando meu conto por lá, e ao Mário Fernandes que fez uma boa crítica que eu li e gostei bastante. Erros futuros virão, mas sempre estarei corrigindo quando me avisarem ou eu mesmo percebê-los. Um abraço também pra galera da Comunidade do Cornwell Brasil no orkut.
Styrke og ære. Farvel.

Capítulo I: Um Novo Começo. Parte III

A cidade já estava sendo iluminada com tochas e as fogueiras nos muros também estavam sendo acesas. Desci pela rua e encontrei a taverna. Não foi difícil. Um homem jazia caído no próprio vômito à porta. Precisei passar por cima dele para entrar. Ele apenas soltou um gemido quando pisei em suas costas.

Lá dentro havia bastante gente. Poucos saxões e muitos dinamarqueses. Me sentei em um canto e em pouco tempo uma ruiva, de ancas largas e seios fartos, me deu uma caneca com cerveja e um pedaço de pão. Comi e bebi enquanto ouvia uma canção de um Skald que animava a noite. Soltei um forte riso quando alguns homens derramaram cerveja em uma prostituta e começaram a lamber seu corpo nu, enquanto ela se torcia de cócegas e ria.

Passei algumas horas naquele lugar, mas saí antes que ficasse completamente bêbado. Tinha que levar o tal padre em segurança até a aldeia. Subi a rua indo para a casa onde passaria a noite quando, meu caminho foi bloqueado por três homens.

- Então você é o famoso homem que arrancou os dentes do Havard aqui. – Olhei e vi que o homem que eu havia socado estava ao seu lado.

- E arranco os que ainda sobraram, e o de vocês dois se não me deixarem passar. – respondi já segurando o punho de Sangue Fresco.

- Antes que retirasse a sua espada da bainha, já estaria morto no chão como um porco velho. – O homem que falava era novo, bem mais que eu. Na verdade era um garoto ainda, e falava bem calmamente. – Olhe para trás seu cão sarnento.

Olhei e vi que haviam dois arqueiros prontos para disparar ao sinal daquele garoto com cara de bobo.

- Meu nome é Ingvar Asgeisson. Sou filho de Asgeir, o Manco. – Ingvar deu dois passos na minha direção. – Não vim aqui matar ninguém, irmão. Pelo contrário. – Assim como o pai, era espontâneo e me deu um típico tapa no ombro. – Soube que estava na taverna e vim para bebermos juntos.

- Agradeço, mas amanhã partirei cedo com o padre.

- Isso não é problema – Ingvar sorriu. – pois amanhã partirei com vocês.

- Quem disse isso? – Perguntei já irritado. – Para mim, tomar conta de um padre velho já é o suficiente. Não levarei um garoto comigo.

- Então amanhã fale com meu pai sobre sua recusa. – Ingvar passou por mim e com ele os dois homens. – Os cavalos estarão selados ao amanhecer. – E dito isso, se foi.

Continuei meu caminho até a casa em que ficaria. O cômodo era apertado e deveria haver umas dez pessoas ali. Deitei-me no chão de junco e fiquei pensando em um bom motivo para levar Ingvar comigo. Pensava também em Ailith. Como queria estar com ela naquela noite, e em todas as outras também. Não sabia o que as Norns teriam para nosso futuro, por isso, queria passar cada noite com ela. Realmente eu não imaginava o que estava por vir.


- Senhor. – Senti algo tocando meu braço e desembainhei Sangue Fresco. – Calma senhor. Apenas o acordei por que um padre o chama lá fora. – Era um dos homens que habitava na casa e pelo jeito era aldeão.

- Dá próxima vez que me acordar assim, vai perder o braço.

O homem se afastou e saiu da casa. Uma mulher me trouxe uma vasilha com água para lavar o rosto, tirar o gosto ruim da boca e limpar o nariz. Depois que terminei, ela levou para outro homem. Mal saí da casa e só deu tempo de perceber que o céu estava em um azul sereno, sem nuvens e o sol brilhando com força, quando uma figura roliça e mais baixa que eu veio ao meu encontro ainda na porta da casa.

- Bom dia senhor Johan! – O homem era bem alegre e espontâneo. Não sei o motivo de tanta alegria assim. – É bom conhecer o homem que me levará em segurança até a aldeia de Withburga.

- Em primeiro lugar padre, eu não sou senhor de bosta alguma. E em segundo, eu levarei você, mas não garanto segurança. Até porque, se alguém quiser matar um padre, não vou me meter.

- Ah meu filho. Então apenas me leve até lá, pois minha segurança está em Jesus Cristo. – O padre abriu os braços e olhou para o céu.

- Espera segurança do deus que morreu preso na cruz? – Gargalhei diante disso.

- Se está rindo tanto, por que carrega uma cruz em seu peito? – o padre estava com um risinho no rosto.

- Acho que você deve fazer menos perguntas se quiser continuar vivo, padre.

- Acha que a morte me intimida, guerreiro? – O homem de meia idade agora possuía uma expressão séria enquanto falava. – Eu sei que quando morrer estarei face a face com o meu Deus. E você? Tem certeza de que irá falar com seus deuses?

- Não tenho certeza de nada padre. Meu futuro é tecido pelas Norns, não por mim.

- Interessante a crença de vocês pagãos. – o padre tinha voltado a ser alegre agora. – Pode me dizer guerreiro. Essa cruz foi dada por sua mulher. Certo? – Ele estava com um risinho no rosto.

- Sim padre, foi dada por minha mulher. Agora podemos ir? Estou com fome.
- Podemos filho. E pode me chamar de padre Baldwyn, ou apenas Baldwyn se preferir.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Capítulo I: Um Novo Começo - Pt. II

Eu já estava cavalgando há um bom tempo pelos campos verdes daquele lugar. As flores brotavam, pássaros cantavam e animais silvestres eram vistos com facilidade. Eu vinha segurando e olhando para a cruz de madeira que Ailith me dera. Queria saber que tipo de poder teria aquele amuleto. Pelo que ela havia me dito, o deus cristão havia mandado seu filho à terra para que todos nós tivéssemos a chance de sermos salvos do fogo do inferno. O filho desse deus teria sido morto em uma cruz e voltado a viver no terceiro dia. Eu nunca entendi como o filho de um deus poderia ser morto assim, de forma tão simples. Como ele não ordenou que seus agressores fossem tragados pela terra? Se existe esse tal céu e inferno eu não sei, mas certamente esse homem não foi para o Valhalla. Para lá só vão os melhores guerreiros que são mortos com a espada em mãos. Mortes dolorosas e sofridas nos levam direto para o grande salão de Odin, ou para o salão da deusa Freya, que é a líder das Valkírias. Elas que levam os guerreiros desse para o outro mundo. No Valhalla, todos os dias os guerreiros lutam até fazerem-se em pedaços. Chegando a hora da refeição, os ferimentos são curados enquanto se divertem comendo a carne do javali Schrinnir e bebendo hidromel fornecido pela cabra Heidrum. Estes guerreiros mortos são conhecidos como Einherjar, são os escolhidos para lutar no Ragnarok, a batalha final entre os deuses e os gigantes. Coitado daquele que morre doente, velho ou de fome. Esses vão para o Niflheim, o reino dos mortos, quer era regido pela deusa Hel, filha do deus Loki. Lá também havia a serpente comedora de cadáveres, a Nidhogg. Esse com certeza não é um bom lugar para ir.

Coberto de pensamentos e ficando com fome, lá estava eu, naquela estrada de terra cortando a grama verde. Disseram-me que era só seguir a estrada que eu chegaria a Thundersley. Eu estava com minha cota de malha, luvas de couro, botas altas e uma capa marrom que cobria minhas costas e meu rosto. Do lado esquerdo da cela de Swarta estava meu escudo e ao lado direito, um machado de lâmina curva. Sangue Fresco pendia em minhas costas sendo escondida pela capa marrom.

O sol já havia passado do ponto mais alto do céu e beirava o horizonte quando avistei os muros de Thundersley. O muro, de pedra e madeira, parecia ser bem vigiado pelas sentinelas que montavam guarda. Me aproximei do portão e um verme qualquer já veio apontando aquela lança de merda para mim.

- Aonde pensa que vai? Esta cidade pertence à Asgeir, o Manco.

- Vim a mando de Wulfgaard “Bjorn”, seu verme comedor de merda. Abra logo esse portão antes que eu passe meu cavalo por cima de você, e antecipe seu encontro com o outro mundo.

Mais três homens chegaram com as espadas já em mãos. Eu desci de Swarta e desembainhei Sangue Fresco. Os quatro homens me olhavam, mas nada faziam. Até que um deles correu em minha direção com a espada para cima e gritando feito um louco. Me abaixei e esperei ele chegar mais perto. Só quando estava prestes a abaixar o braço em mim, levantei com velocidade e acertei seu queixo com o punho de minha espada. Ele caiu para trás cuspindo sangue e os poucos dentes que tinha. Os outros homens, que sobraram de pé, já haviam me cercado quando alguém falou.

- Parece que alguém perdeu os últimos dentes que possuía. – O homem de pé em cima do muro soltou uma gargalhada. – Você. Cavaleiro. O que veio fazer aqui?

- Vim a mando de Wulfgaard “Bjorn” levar um padre para nossa aldeia. – Disse ainda mantendo a guarda.

- Wulfgaard? Filho de Olaf?

- Sim. Esse mesmo.

- Deixem o homem entrar. – Com isso, desceu do muro.

Adentrei pelos portões puxando Swarta pelas rédeas. Havia muitas pessoas naquela cidade. Tanto saxões como dinamarqueses. O homem que estava no muro veio mancando em minha direção.

- Então você é o homem que irá levar o padre. – Ele me olhou de cima a baixo. Já era bem velho. – Pensei que viriam mais com você, ou, que mandassem um com o dobro de sua altura.

- Isso é porque você ainda não viu o tamanho da minha espada. – Nisso segurei meu saco. – Imagino que sua mulher vá gostar quando ver.

O velho me fitou sério por alguns instantes, mas logo soltou outra gargalhada poderosa e me deu um tapa no ombro.

- É disso que eu gosto. Senso de humor. – O velho me deu um leve empurrão. – Vamos filho. Vamos andar.

- Sou Asgeir, o Manco. Já deve ter percebido, afinal, nem todos mancam por aqui. – o velho sorriu. – Como te chamam?

- Johan Skald Ulfarsson.

- Hum... Conheci Wulfgaard quando ele ainda era criança. – caminhávamos em uma rua larga com construções dos dois lados. – Lutei ao lado de seu pai algumas vezes, e numa delas, um maldito franco atravessou sua espada na minha coxa. – Asgeir passou a mão na perna ferida. – Mas logo em seguida matei o desgraçado e mijei sobre seu cadáver.

Alguns homens de Asgeir nos seguiam enquanto caminhávamos. A fumaça saía do teto das casas, o sol já desaparecia no horizonte e eu só desejava estar com Ailith.

- Por que querem um padre na aldeia? – perguntou Asgeir.

- Existem tantos cristãos quanto nós lá. Por isso Wulfgaard atendeu ao pedido de terem um padre.

- Malditos cristãos. – Praguejou o velho Asgeir. – São como ratos. Covardes e espalham-se rápido. – Paramos em frente a uma casa. – Hoje você passará a noite aqui. O padre estará o estará chamando pela manhã. Logo ali, por onde passamos, fica a taverna. Lá tem comida, bebida e mulheres. Menos a minha, é claro. – Outro tapa em meus ombros e Asgeir se foi.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Cap. I: Um novo começo - Pt. I

Haviam se passado algumas semanas desde aquela noite. Ailith já arriscava algumas palavras em Dinamarquês e nós conhecíamos um ao outro a cada dia que passava. Assim como a maioria dos saxões, ela rezava para o deus cristão, mas isso nunca causou uma briga entre nós.

A aldeia estava mudando, crescendo. Casas estavam sendo construídas, a velha igreja de pedra estava sendo reformada, um grande salão quase pronto tomava lugar no ponto mais alto da aldeia, que ficava junto ao paredão de pedra que terminava no rio. A paliçada também estava sendo feita com agilidade, pois seria a nossa única defesa contra um ataque saxão.

Agora, Ailith e eu, tínhamos a nossa própria casa, que dividíamos com mais duas famílias. Não era o melhor conforte que eu queria dar a ela, mas foi o que eu consegui de melhor. A casa possuía apenas um cômodo. Tinha o chão de junco, uma lareira no centro dele, que servia para fazer a comida e iluminá-lo. Havia uma abertura no teto de turfa para a fumaça sair, mesmo assim a maior parte da fumaça ficava dentro da casa e os incêndios eram constantes. O cômodo possuía também um pequeno tablado de madeira nas laterais e no fundo, onde ficava a cama-caixote para Ailith e eu, e também uma cadeira entalhada onde somente o chefe da casa poderia se sentar. E o chefe da casa era eu, porque agora eu tinha uma família.

Haviam chegado pelo rio pelo rio Crouch, há uns dias atrás, dois knorrs – que era a embarcação utilizada para transporte. – com as esposas, irmãs, irmãos e filhos dos homens que agora moravam na aldeia. Nem todo homem possuía esposa e filhos na Dinamarca, e esses, assim como eu, logo formaram família com as mulheres saxãs encontradas lá mesmo, ou em vilarejos próximos onde fazíamos saque. Esses homens, por amor ou influência das esposas, acabavam se tornando cristãos. E assim a população cristã foi crescendo junto a nós, os pagãos.

À pedido dos cristãos a igreja estava sendo reformada para que os novos e antigos tivessem aonde falar com o seu deus, e também foi pedido que um padre fosse mandado à aldeia para realizar as missas.


Wulfgaard não questionou o pedido dos cristãos, afinal, queria agradar saxões e dinamarqueses. Quando tomávamos uma cidade, matávamos apenas os homens que a defendiam. Os outros continuavam lá, com a mesma vida de antes. Até mesmo os governantes eram mantidos, mas quem dava as ordens, éramos nós. Por conta disso, Wulfgaard me incumbiu de apanhar um padre que se encontrava na cidade de Thundersley, que ficava a meio dia de cavalgada. Meu senhor não queria que eu fosse sozinho e falou para que eu levasse alguns homens comigo, mas preferi ir sozinho, assim iria mais rápido. Me despedi de Ailith nas primeiras horas da manhã daquele dia e disse que voltaria logo. Ela estava apreensiva, não queria que eu fosse sozinho. Ainda havia saxões escondidos em alguns lugares. Pequenos grupos, mas contra apenas um homem poderia significar a morte. Mesmo assim eu tentei tranquilizá-la dizendo que amanhã eu estaria chegando com o tal padre. Ela me abraçou e me deu um beijo demorado. Tentou esconder, mas eu vi que tinha lágrimas em seus olhos quando me afastei da casa indo em direção ao estábulo apanhar Swarta, meu cavalo negro como a escuridão.

- Uuuh... Agora além de cantarolar, também toma conta de velhos.

- Não sei o que sua mãe tinha na cabeça quando pariu a mesma coisa que eu cago, Halfdan.

- Hahaha! Se minha mãe parisse o que você caga, ela o chamaria de Johan!

Os homens riram alto dos insultos amigáveis trocados entre nós. Havia bastante movimento no centro da aldeia. Mulheres carregavam cestos, homens trabalhavam nas casas, na igreja e na paliçada, e crianças corriam ou simulavam combates empunhando pedaços de pau.

- Fiquei sabendo que você vai buscar o padre em outra cidade, e pelo jeito quer se divertir sozinho. – Halfdan estava no centro da aldeia com outros homens.

– É verdade. – respondi. – Quis ir sozinho porque não há motivo para cansar mais cavalos, e também eu não iria cavalgar meio dia de viagem ouvindo sua voz, como se uma cabra velha estivesse balindo ao meu lado.

- Você está muito engraçadinho hoje – Halfdan ria com os outros homens. – tome cuidado para que nenhum saxão enfie uma lança pelo seu rabo e saia pela sua boca.

Eu apenas aquiesci e me dirigi ao estábulo. Selei Swarta, acariciei seu focinho, dei um tapinha em sua barriga e montei. Swarta era um garanhão grande e veio em um dos knorrs que chegaram com as famílias. O céu estava limpo e já não fazia tanto frio, pois a primavera havia chegado. Cavalguei em direção ao que seria o portão da aldeia. Ainda estava sendo construído. E lá estava Ailith com as mãos entrelaçadas, olhos vermelhos, segurando um cordão de couro com uma cruz amarrada na ponta.

- Johan! – Ela gritou. – Que Deus esteja com você.
Ela ergueu o cordão e eu me abaixei. Ela o pôs em meu pescoço e a cruz ficou sobre a roupa. Bati o calcanhar em Swarta, saí da aldeia, e assim comecei minha jornada para buscar um padre.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Continuação?

Olá caros leitores. Venho agradecer a todos os acessos e divulgação. Estou muito empenhado nesse trabalho, e como todos já sabem, preciso das opiniões de vocês. Tenho muita vontade de transformar a saga de Wulfgaard em livro, mas para que alguma editora se interesse é necessário já haver um público interessado. Portanto hoje eu quero saber a opinião de vocês. Caso você tenha entrado aqui hoje para ler mais uma parte da história, me desculpe, mas antes preciso saber o que os meus leitores estão achando.

A parte VI do Prólogo foi a última, agora começa o Capítulo I. Irei postá-lo sim, mas quero muito que vocês opinem por aqui ou pelo meu orkut (para quem tem). Se quiser add no msn eu tb aceito. Tudo para saber o que estão achando de Johan, Wulfgaard, Halfdan e Ailith.

Divulguem, falem com os amigos, sejam eles de onde forem. Desse modo Wulfgaard poderá um dia estar em uma livraria ao lado de Uhtred e Derfel.

Um bom dia a todos. Obrigado.

ha de bra.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Prólogo: Parte VI

Meus companheiros sacaram as espadas e o resto dos homens também. Koll ainda estava jogado no chão e me olhava atônito. Ele só pôde ver um guerreiro Dinamarquês com os cabelos soltos, um escudo lascado nas mãos, o rosto e a espada sujos de sangue e o espírito vivo de um matador. Ailith sorria levemente enquanto olhava para Koll impotente no chão. A multidão gritava, xingava e se empurrava. Sangue Fresco parecia querer sentir mais sangue, foi quando peguei a cabeça do homem e gritei.


- Quem é pobre bastardo que está na minha mão? – levantei a cabeça bem alto.


- Este é Finn, filho de Halga, meu irmão. Falou Ulfrik.


O furor da batalha havia me dominado, minha respiração estava pesada, o sangue pingava de Sangue Fresco deixando a terra escura. Cheguei perto de Ulfrik e joguei a cabeça em seus braços.


- Podia ser um bom guerreiro, mas com certeza era um idiota. – falei.


- Como ousa ofender meu sobrinho seu verme filho de uma cachorra velha?


- Da mesma forma que ele me ofendeu quando entrou em uma luta que não era dele e me atacou pelas costas! – retruquei.


Ulfrik e seus homens queriam vingar a morte de Finn, porém nós tínhamos bem mais homens do que eles, por isso Ulfrik voltou para suas terras ao norte. Naquela noite fizemos um funeral digno de um guerreiro para o corpo de Finn, porque sua cabeça, seu tio levou. Após o funeral fui para a pequena taverna que havia na aldeia. Wulfgaard havia me dito que aquela seria a minha noite, a noite de um vencedor, por isso não me preocupei em quanto ia beber. Ailith estava lá também, mas não ficou perto de mim. Estava em um canto conversando com outra mulher saxã que dava tantos risos, que parecia gostar mais de nós do que de seu povo.


Saí da taverna. A noite estava fria, mas o céu estava estrelado. Os clarões das fogueiras feitas pelas sentinelas iluminavam a aldeia que estava em silêncio. Apenas se ouvia o som da taverna e do fogo estalando nas fogueiras. Sentei-me em um banco em frente a uma casa onde eu fiquei a noite passada. Eu estava sem elmo, sem malha, apenas minha espada estava presa às minhas costas. Eu estava bêbado e por isso quis ficar sozinho, para não arrumar mais uma briga naquele dia. Foi então que Halfdan sentou-se ao meu lado, tão bêbado quanto eu, ou mais.


- Teve uma bela vitória hoje para um homem que é menor que minha espada. – Soltou uma gargalhada logo após terminar a frase. – Por que saiu cedo da taverna? Ainda não acabamos com a cerveja.


- Já bebi o suficiente por hoje, mãe. – Falei debochando. – E você? Por que veio pra cá?


- Queria falar com você. Estou te achando diferente desde que conheceu aquela mulher. – Halfdan olhava para a lâmina de sua espada. – O que está acontecendo contigo?


- Agora a mamãe está preocupada comigo? – falei rindo. – Não está havendo nada de diferente comigo meu irmão. Estou bem.


- Johan. Te conheço mais do que qualquer um aqui, e nunca imaginaria ver você arriscando o pescoço por uma mulher. Tudo bem que ela é linda, mas belos seios e uma boa bunda nós achamos em qualquer lugar.


- Eu apenas estava entediado. – Respondi sem levar a sério minha própria resposta.


- Entediado? – Halfdan bateu com a parte chata da lâmina na minha perna. – Você deve estar maluco, ou pior, deve estar gostando dela.


Não respondi nada. Halfdan reclamava da dor que sentia na cabeça e que as coisas estavam começando a rodar à sua volta. As fogueiras das sentinelas ainda iluminavam, à baixa luz, a aldeia. Continuavam falando alto de dentro da taverna, Halfdan encostado na parede da casa, cantava uma música em voz baixa. A música falava sobre um guerreiro que foi à guerra e prometeu voltar para sua mulher. Depois de um ano fora de casa ele retornou, e sua mulher, achando que ele já tinha sido morto, já tinha se casado com outro.


A música era triste e melancólica. Estava me deixando com sono, e meus olhos já estavam fechados.


- Johan. Não sou a melhor pessoa para te falar sobre mulheres. Mas o que te posso dizer é que para se prender cavalo brabo e mulher em casa, o que se precisa é de um pau firme. – Nisso ele se levantou. – Agora vou deixar o casal a sós. – E acenou com a cabeça em direção a taverna.


A casa em que estávamos ficava em um ponto mais elevado da aldeia. Um caminho de terra batida serpenteava do centro da aldeia até a entrada da casa. E lá estava ela. Ailith vinha caminhando pela terra batida em direção a casa. Halfdan já tinha sumido na escuridão onde as fogueiras não iluminavam. E eu, meio sem graça, tirei do bolso uma pedra de amolar e comecei a passá-la pelo gume de Sangue Fresco. A cada vez que a pedra passava pela lâmina, cada vez que Ailith se aproximava mais, eu podia sentir um frio na barriga e o pulsar do meu coração aumentar rapidamente. Mesmo bêbado Halfdan estava certo. Eu estava gostando daquela mulher sem nem mesmo ter falado com ela. Afinal, o que ela entenderia de Dinamarquês?


Eu só sentia meu coração acelerar daquela forma quando estava prestes a entrar em uma batalha. A visão da guerra era algo que assustava até os mais experientes guerreiros. Mas assim como as mulheres, depois que se sentia o gosto, o furor da batalha, não tinha como deixar de gostar daquilo.


Ailith ainda estava com o vestido branco, agora com as bordas sujas de lama. Seu cabelo, preso por uma tira de couro, deixava seu pescoço nu diante dos meus olhos. Ela se sentou ao meu lado e nada disse. O fogo iluminava parcialmente seu rosto, deixando ainda mais vívidos seus olhos azuis. Ela me cutucou com o dedo e eu olhei para ela. Então ela me disse algo em sua língua que eu não pude entender. Dei um sorriso e falei na minha língua que não havia entendido o que ela tinha dito. Ela riu de volta para mim e notamos que seria difícil nossa comunicação. Ela colocou a mão em meu peito e disse meu nome, depois colocou a mão em seu peito e falou o seu. Foi nessa noite que eu soube que seu nome era Ailith. E também nessa noite eu soube que as fiandeiras escolheram o início de uma nova vida para mim no lugar que seria palco de grandes batalhas, grandes paixões, grandes lendas e grandes heróis. Esse lugar que seria conhecido mais tarde como Inglaterra.