quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Capítulo II: O Teste de Ingvar - Parte IV

Eu pensava que as minhas maiores perdas aconteceram quando eu ainda era uma criança. Eu perdi meu pai, minha mãe, irmãs e irmãos, minha terra e minha vida. Jurei para mim mesmo que nunca mais iria sentir uma perda, mas nós homens somos fracos ao passarmos por coisas que tiram nosso chão. Achamos que estamos no controle de tudo, quando na verdade, quem tece o fio do destino de casa homem, são as Norns.

Quando perdi minha vida pela primeira vez eu tinha 10 anos e pensei que nunca me recuperaria, mas depois de muito choro e lutas, eu me tornei um homem. Ainda me recordo das coisas, e apenas me dão força para seguir sempre em frente. Eu nunca pensei que perderia minha vida de novo, mas o fio do meu destino estava sendo tecido conforme as fiandeiras queriam, e não eu.

Percebi com o tempo que Ingvar foi o mais próximo que eu tive de um filho. No princípio foi um pouco difícil convivermos diariamente debaixo do mesmo teto. Aguentar aquele cagalhão choramingando porque seu corpo doía, devido ao treinamento, me tirava do sério. Cada vez que eu ouvia uma murmuração, fazia com que ele treinasse mais, e se mesmo assim ele continuasse, eu o espancava com um pedaço de pau.

Ingvar treinou durante toda a primavera e verão. Ele ficou mais forte, seus músculos cresceram e seu peito ficou largo. De dia e noite ele andava com cota de malha e elmo, assim se acostumaria com o peso e não perderia a agilidade em um combate. Ao contrário do que pensava, Ingvar se tornou muito bom com a espada, e eu me orgulhava de ter transformado um cagalhão em um guerreiro de verdade. Mas Ingvar só se tornaria um bom guerreiro depois que sobrevivesse à primeira fila de uma parede de escudos, e eu queria ver como o garoto iria se sair no meio daquela matança.

Ailith gostou muito da nova casa que era mais espaçosa que a outra. Tivemos que expulsar os antigos moradores, mas não foi problema. Viver no campo a deixava bem mais feliz do que viver dentro dos muros de uma cidade. Tínhamos nossa terra, nossos animais e tudo estava indo bem. Ela tratava Ingvar como um filho, mesmo não sendo muito mais velha que ele, e ele a ajudava em tudo, ainda mais por sabermos que ela estava esperando um filho meu. Meu primeiro. Demos uma grande festa para celebrar o que eu esperava há muito tempo. Ficamos bêbados e contentes, e naquele dia eu era o meu feliz dentre todos os que ali estavam, porque eu teria um filho.

Passado alguns dias, naquele fim de verão, eu treinava Ingvar quando vi cavaleiros se aproximando. Ao longe não víamos se eram amigos ou não, então Ingvar foi buscar uma lança para mim e uma para ele. Ingvar já havia entrado em casa, quando vi o estandarte do urso, era Wulfgaard. Os cavaleiros iam se aproximando e vi que Wulfgaard vinha na frente, seguido por Halfdan, Gudrik e mais alguns homens.

- Pelo que estou vendo, já está preparado para a guerra. – falou Halfdan me zombando.

- Sempre estou preparado, mas agora eu estava treinando com Ingvar. – Nesse momento o garoto veio correndo pela porta de casa com toda sua roupa de guerra e mais duas lanças.

- Por Hel! Onde esse garoto está indo? Matar dragões? – Falou Gudrik em voz alta e em tom zombeteiro.

- O único dragão que irei matar será a sua mãe. – Retrucou Ingvar.

Gudrik ficou surpreso com a resposta de Ingvar e todos riram por ver Gudrik sem reação.

- Parece que o garoto não aprendeu somente a lutar. – Falou Wulfgaard.

- Não mesmo. – Respondi. – Mas o que vieram fazer aqui? Ragnar já chegou?

- Ainda não, mas precisamos conversar.

- Na verdade vocês estavam sentindo minha falta e vieram aqui para acabar com minha comida e minha cerveja – Brinquei com isso e mandei Ingvar ajudar Ailith com as coisas. – A casa é pequena, mas tem lugar para todos, menos para você Halfdan, acho melhor ficar com os porcos.

- Tenho pena deles. Você já deve ter fornicado com todos os coitados. – Retrucou em alta voz e gesticulando o ato.

Todos apearam e amarraram os cavalos. Alguns pássaros cantavam e o som do Crouch servia como um calmante àqueles que o escutavam. O sol estava no ponto alto do céu, era por volta de meio-dia, e algumas nuvens pareciam indicar que aquele final de verão estava indo embora, e o outono, chegando com suas tempestades.

Wulfgaard e os outros entraram e Ailith os recebera com muita alegria. Ela gostava de viver entre nós, dizia que sabíamos como dar uma festa de verdade, ao contrário dos cristãos, mesmo ela também sendo uma cristã. Ela nos serviu pão velho, arenque seco, queijo e cavalinhas, e como não poderia faltar, a cerveja.

Qualquer encontro era motivo para festejar, e esse não foi diferente. Histórias foram contadas, músicas cantadas e novamente tive que contar como fiquei sendo chamado de Johan, o Berseker. Ailith e Ingvar participaram do festim que só terminou ao crepúsculo. Havia um barril e meio de cerveja, e os homens tinham trazido mais dois em um dos cavalos. O resultado disso foi Ingvar brandindo sua espada e dizendo que iria matar todos os saxões que ele encontrasse, depois caiu de joelhos e vomitou durante toda a noite.

Só depois que toda cerveja havia acabado, é que Wulfgaard começou a falar o que seria o motivo da visita.

- Além de querermos sua comida e bebida – falou Wulfgaard irônico. – Queremos que venha conosco até Selsey. – Que ficava em Chichester.

- E o que tem lá para fazer?

- Soubemos que o ataque que você sofreu, foi ordem de um homem chamado Guthheard, e ele é Bispo de Chicester.

Parece que Guthheard estava em Elmham discutindo assuntos da Igreja, e também incitando aos homens para que se levantassem contra nós. Ele estava voltando para Selsey com quatro guardas e alguns homens que resolveram segui-lo, quando nos encontrou. Vendo que estava em vantagem numérica, resolveu nos atacar, mas acabou derrotado e fugiu para Selsey.

- Agora nós iremos até Selsey para colocarmos a cabeça desse verme na ponta de uma lança, e aproveitamos para ganharmos alguma coisa. – Completou Halfdan.

- E quando partiremos? Perguntei já sentindo o prazer de matar um Bispo.
- Em dois dias, pela manhã. Lembre-se de levar o garoto com você, mas antes, ensine-o a beber como homem. – Isso provocou o riso de todos.

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