quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Capítulo II: O Teste de Ingvar - Parte III

Depois de uma noite de descanso, fui acordado por uma certa agitação na aldeia. Havia gritos, mas não de medo ou algo ruim, mas gritos de júbilo. Ailith preparava algo para comermos, e só de olhar aquela mulher, meu sangue já ficava mais quente novamente. Por mim, repetiria a “batalha” da noite, mas eu precisava ver o que acontecia lá fora.

- Sabe o que está havendo lá fora? – Perguntei a ela.

- Não sei ao certo – Respondeu com um sorriso no rosto. – Mas acho que o padre está incluído nisso.

- Vou dar uma olhada. O que tem para comer?

- O mesmo que ontem oras. E fique muito feliz com isso – Agora o sorriso já havia sumido, mas ela continuava delicada. – Já falei que não gosto daqui. Por que não podemos morar em uma casa maior, termos nossa própria terra, nosso gado?

- Já conversamos sobre isso. Não posso fazer o que quero, tudo o que tenho devo à Wulfgaard. Não posso tomar decisões importantes sem o consentimento dele, mas falarei com ele.

Fui ver o que estava havendo, e vi que Ailith estava certa. Padre Baldwyn estava no centro da aldeia e segurava uma cruz feita de gravetos. Uma multidão estava em volta dele e gritavam a Deus, se ajoelhavam, deitavam no chão enquanto o padre pregava a palavra que libertaria a vida daqueles que a ouvissem. Ao longe estava Wulfgaard observando o frenesi daquelas pessoas. Com ele estavam Eclaf e Eirik, então me juntei a eles.

- Johan, o Berseker – Disse Eclaf num tom debochado. – Se você ganhou esse nome por ter matado dois com uma fúria repentina, eu deveria ser chamado como o próprio Thor! Matar dois é para crianças ou cães fedorentos.

- Com a barriga que possui, não consegue nem deitar sobre uma menina sem sufocá-la, como vai matar um homem? – Eclaf era um bom guerreiro, gostava de tirar sarro dos outros, mas odiava quando faziam o mesmo com ele. – O que o padre está fazendo?

- Está falando sobre um homem que foi levado ao céu por uma carruagem de fogo – Respondeu Wulfgaard, que parecia estar interessado na história. – Ele também falou sobre algo que devemos fazer quando nos tornamos cristãos, só não sei o que é.

- Ah! É tomar banho no rio. – Disse rindo.

- Para ser cristão deve se tomar banho no rio? – Eirik estava surpreso em ouvir isso.

- Não é bem tomar banho. O padre me disse que é como lavar as coisas erradas e começar tudo de novo sendo cristão.

- Coisas erradas? Então tenho que dar um belo banho na minha mulher. – Disse Eclaf chorando de rir.

- Prefiro morrer afogado no rio, do que ser cristão. – Todos nós rimos do que Eclaf e Eirik disseram, e pela interpretação de Eirik como se estivesse se afogando.

Padre Baldwyn encerrou sua palavra e as pessoas voltaram aos seus afazeres. Ailith também tinha ouvido parte do que o padre falara, e agora conversava com Gyda, a mulher com quem ela conversara aquela noite na taverna. Eclaf e Eirik tinham ido ver se os reparos no Cavalo do Mar – o navio de Wulfgaard – iam bem, e agora o padre Baldwyn vinha em nossa direção.

- Johan! – O padre parecia surpreso em me ver. – Ouvindo a palavra de Deus? A sua mulher estava lá.

- É eu vi.

- Ela já é batizada?

- Você quer saber se ela já tomou banho no rio, é isso?

- Não é bem isso, já lhe expliquei, mas tudo bem entenda assim.

- Não sei padre, isso só perguntando a ela.

Nesse momento Wulfgaard tomou a palavra.

- Onde aprendeu nossa língua padre?

- Aqui mesmo meu filho. Achei que seria necessário depois que vocês chegaram aqui pela primeira vez.

- E você sabe desenhar sons? – Perguntou Wulfgaard com seriedade.

- Desenhar sons? Você quer dizer se eu sei escrever. Sim, eu sei.

- Então desenhe para mim: Todos os homens morrem, mas nem todos os homens vivem.

Então o padre desenhou, com o dedo na terra, o que Wulfgaard lhe falou.

- Você vai desenhar isso naquilo onde vocês cristãos possuem suas histórias.

- Mas eu não tenho o que preciso aqui.

- Me fale o que precisa e eu conseguirei.

Padre Baldwyn agradeceu e foi para a igreja. Eu fiquei pensando o porquê do interesse de Wulfgaard na escrita do padre, mas não perguntei nada e quando fosse a hora eu saberia o motivo. Ele me perguntou se eu tinha visto Ingvar lutando, mas eu nada tinha visto além dos homens que matei. Também não entendi sua preocupação com Ingvar, mas logo saberia.

- Johan, preciso que você faça algo por mim. – Wulfgaard estava pensativo e eu imaginei logo que teria que ir para longe novamente.

- Contanto que não seja me tornar cristão, pode falar. – Respondi com sarcasmo.

- Não, não quero que se torne um homem que só sabe rezar, mas não sabe lutar – Retrucou com uma risada. – No começo do outono, Ragnar irá chegar e depois eu precisarei voltar à Dinamarca para resolver alguns assuntos pendentes.

- Seu primo Ragnar?

- Sim, ele mesmo.

Ragnar, o Vermelho, como era chamado por ser muito ruivo, era tão bom guerreiro como Wulfgaard e também ótimo companheiro. A única diferença marcante entre os dois era que Ragnar sempre foi muito mais brincalhão que seu primo.

- Ele virá para podermos marchar para Wessex? – Perguntei animado.

- Não. Ele virá para guarnecer a aldeia enquanto eu volto à Dinamarca, e como viajarei, não poderei treinar Ingvar até o fim, e é esse o meu pedido, que você o treine.

- Posso bater no cagalhão? – Perguntei em tom zombeteiro.

- Não pode. Deve. – Respondeu Wulfgaard também zombando.

- Eu apenas gostaria de pedir uma coisa também – Wulfgaard aquiesceu e eu continuei. – Ailith deseja morar em uma casa no campo, criar seu gado, ter sua terra para cuidar.

- Acho que você está fazendo ela gemer alto demais à noite, e quer morar em um lugar vazio para não incomodar ninguém. – Wulfgaard segurou meu ombro enquanto ria sem parar. – Já viu alguma casa que tenha lhe agradado?

- Na verdade sim. Quando vinha para cá, vi uma que ficava próxima ao rio. Acho que é o que Ailith deseja.

- Não vejo problema nisso. Amanhã você pode ir para sua nova casa, mas levará Ingvar com você, e quando eu precisar você estará aqui.

Concordei e fui para casa contar à Ailith a grande novidade.

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